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Dinâmicas de um fracasso: análise crítica de um plano de paz que culminou em massacre

Por Marcos L Susskind

O dia 30 de agosto talvez venha a ser lembrado como o dia em que grandiosos planos de paz acabam se transformando em guerras, massacres, destruição, perseguição e racismo.

No dia 30/08/2005 o governo Israelense, sob a liderança de Ariel Sharon, entregou a Faixa de Gaza às lideranças palestinas. Tratava-se de um ambicioso plano de paz que buscava alcançar alguns objetivos importantes, um prelúdio de uma futura paz e coexistência entre o Estado de Israel e um futuro país palestino, um primeiro estágio de autogoverno palestino sem qualquer interferência de Israel.

O plano almejava reduzir os atritos entre israelenses e palestinos; desestimular e eliminar a existência de grupos terroristas; definir claramente uma área que ficaria exclusivamente sobre controle palestino sem qualquer presença israelense – uma Faixa de Gaza sem qualquer cidadão israelenses, ausência de controle militar, político, policial ou econômico israelense e autonomia total palestina sobre toda a Faixa de Gaza. Previa ainda um plano piloto para um governo palestino, com um claro roteiro que a Autoridade Palestina deveria cumprir e que incluía a cessação da violência, do terror e da incitação, o desmantelamento de organizações terroristas e implementação de reformas abrangentes na Autoridade Palestina bem como o reconhecimento inequívoco do direito de Israel a fronteiras seguras e defensáveis. Em contrapartida, todas as cidades e aldeias judaicas na Faixa de Gaza foram evacuadas, as habitações e plantações foram entregues aos palestinos e os palestinos receberam a oportunidade de verem suas ambições e reivindicações nacionais reconhecidas internacionalmente.

Para cumprir com o programa, foi exigido um sacrifício considerável: cerca de 8.000 israelenses de 25 assentamentos foram obrigados a abandonar suas casas e seus meios de subsistência construídos ao longo de várias décadas, quando transformaram terras áridas em prósperas aldeias, jardins e fazendas agrícolas. Foram fechadas 42 creches, 36 jardins de infância, sete escolas de ensino fundamental e três escolas de ensino médio. 5.000 crianças em idade escolar necessitaram se adaptar a ambientes desconhecidos após a evacuação. 38 sinagogas foram desmanteladas. Foi um preço caro e dolorido que Israel pagou numa tentativa de alcançar a paz!

O G8, que existia à época (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Canadá e Rússia) declarou apoio ao plano, reconhecendo que a solução do conflito palestino-israelense é um elemento primordial para o progresso na região.

Israel saiu de Gaza permitindo a autogestão a seus 1.320.000 habitantes árabes, que se denominam palestinos. Após a retirada de Israel, houve total liberdade de movimento em Gaza.

Mas nem tudo foram flores. A retirada de Israel resultou no fechamento de fábricas, oficinas e estufas nos assentamentos onde os moradores de Gaza trabalhavam. Nenhum empreendedor palestino assumiu estes locais, o que gerou desemprego com a consequente perda de renda. As modernas plantações controladas por computador, com dosagem de água de acordo com a temperatura do solo, foram todas destruídas nas 24 horas posteriores à saída de Israel, privando Gaza de uma importante fonte de renda com exportação de alimentos.

O maior problema, no entanto, ocorreu com as disputas internas entre o Fatah, o braço armado da Autoridade Palestina e seu arqui-rival Hamas, movimento oriundo da Irmandade Muçulmana. As diferenças entre eles levou a uma sangrenta guerra civil, em 2007, com vitória do Hamas, que expulsou a Autoridade Palestina, assassinando grande parte de seus líderes políticos e militares.

A partir de 2007, Gaza passou a ser a grande incubadora de grupos terroristas. É lá que se estabeleceram e cresceram grupos terroristas. Além do Hamas, Gaza passou a abrigar a Jihad Islâmica, a Frente Popular para Libertação da Palestina, o Batalhão An Nassar, o Exército Islâmico, o Al Tuhid Al Jihad e outros.

Ao longo destes 20 anos, desde a saída unilateral de Israel, os problemas de Gaza sob administração Palestina se agravaram profundamente. O crescimento demográfico é explosivo – a população cresceu de 1.320.000 para 2.100.000, com talvez a maior taxa de natalidade do mundo, sem praticamente a criação de novos empregos – o desemprego é de 68% e a juventude depende quase exclusivamente de emprego como membro de algum grupo terrorista. Cerca de 50% da população tem 18 anos ou menos!

Mesmo com o explosivo crescimento populacional não são criadas fontes de energia, de abastecimento ou de dessalinização. A energia elétrica é fornecida por Israel, bem como água e grande parte dos alimentos.

O governo nas mãos do Hamas recebeu imensa ajuda financeira internacional, canalizado quase que totalmente para ações militares: construção de túneis, compra e produção de armamentos leves, foguetes e remuneração de terror, bem como uma parte substancial desviada para corrupção.

Esta situação já causou cinco guerras entre Israel e os grupos terroristas de Gaza, apenas uma das quais sem envolvimento do Hamas. A guerra atual foi desencadeada após o maior massacre contra judeus desde o Holocausto. No dia 7/10/2023, sem qualquer provocação anterior o Hamas invadiu Israel, massacrou cerca de 1.200 pessoas em poucas horas, incluindo decapitação de recém-nascidos, queima de famílias inteiras vivas, estupros e o sequestro de 251 cidadãos, muitos deles assassinados a sangue frio, inclusive bebês estrangulados. 50 reféns ainda estão em suas masmorras.

Um fato chocante é que uma imensa parte das vítimas Israelenses é composta por ativistas da paz que viviam nas aldeias fronteiriças!

A saída de Gaza, que completa 20 anos, transformou um sonho de paz num martírio contínuo, com imenso sofrimento tanto das populações israelenses constantemente atacadas como também da população palestina de Faixa de Gaza usada hora como escudo humano, hora como refém do atual regime que impõe terror e medo, enquanto educa para o ódio e o martírio de sua própria juventude.

Assim, a saída Israelense da Faixa de Gaza, que poderia ter sido o início de uma experiência de autogestão palestina, se transformou numa guerra fratricida palestina e depois num pesadelo de terror para habitantes de Israel e da Faixa de Gaza.

Haverá a esperança de paz na região? Infelizmente a resposta parece nunca chegar.

Foto: Daniel Ventura (Wikimedia Commons). Assentamento evacuado de Gush Kataf em Yad Binyamin

Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam necessariamente a opinião da Revista Bras.il.

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