Espelho retrovisor
Por Nelson Menda
Residindo sozinho, com bastante tempo à disposição, volta e meia me surpreendo divagando por diferentes períodos da minha vida. Um dos temas principais está relacionado à época em que precisava me preparar para ingressar em uma faculdade, o famigerado exame vestibular. Desde cedo sabia que gostaria de exercer a medicina, mas faltava saber em que escola tentaria ingressar.
Naquele longínquo período só existiam faculdades de medicina em escolas públicas e o funil para ingressar em uma delas era bastante estreito. No Rio Grande do Sul, meu estado natal, as opções para cursar uma faculdade de medicina estavam restritas a apenas duas escolas: a de Porto Alegre, a mais tradicional delas e a de Santa Maria, no interior do estado. Tinha estudando durante um ano inteiro em um conceituado cursinho, como eram denominadas as instituições dedicadas à preparação dos alunos para aquelas provas. Me inscrevi tanto na tradicional Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre quanto na recém fundada Faculdade de Medicina de Santa Maria, no interior do estado. Para evitar que os alunos ingressassem nas duas instituições os responsáveis organizavam as provas de tal maneira para impedir que um aluno pudesse ser aprovado em ambas. Naquela ocasião, viajar de Porto Alegre a Santa Maria exigiria uma longa viagem de trem, com 12 horas de duração ou uma menor, de ônibus, de 6h. com uma travessia por barca no caudaloso Rio Jacuí, com suas ameaçadoras corredeiras.
Passei de primeira, em Santa Maria, o que trouxe muita alegria para meu pai, que já estava enfermo e viria a falecer poucos meses depois. Naquela época, era usual que os pais ocultassem dos filhos as más notícias. Foi um período muito difícil da minha vida, pois tive de suportar a alegria de ter passado no vestibular com a tristeza da doença paterna. Sem falar nas dificuldades financeiras decorrentes da enfermidade e falecimento do meu pai.
Por ironia do destino, a enfermidade responsável por sua morte, nos idos de 1960, não contava com diagnóstico ou tratamento. Atualmente, decorridas seis décadas, a enfermidade já pode ser diagnosticada, tratada e curada.
Os seis intermináveis anos em que precisei morar na provinciana Santa Maria serviram de estímulo em que prometi, para mim mesmo, me mudar para a Cidade Maravilhosa assim que ultrapassasse aquele período de provação. Foi o que, efetivamente, ocorreu. Devo reconhecer que tive sorte em conhecer pessoas boas que supriram a falta de apoio familiar. Também tive o privilégio de conhecer colegas de faculdade com os quais convivi naquele período complicado para mim e para o Brasil.
Dentre eles, gostaria de mencionar Juarez Teixeira, gaúcho de Caçapava do Sul, que acabei reencontrando há poucos dias, pela Internet. Juarez, pessoa provida de grande generosidade, doou a casa em que nasceu, na sua cidade natal, para a instalação de um museu dedicado à preservação da tradição regional, que pode ser visitado pela Internet. E também a Sra. Rebeca Abravanel, mãe do Sílvio Santos, que foi minha cliente na fase carioca da minha vida.
Não posso me queixar. Tenho duas filhas maravilhosas e três netos varões que, ao contrário do avô, dominam o inglês e arranham o português. O que mais posso exigir da vida?
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