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Racismo, antissemitismo. Entendendo o fenômeno (parte 1)

Por Marcos L Susskind

Nos 119 anos em que existe o Prêmio Nobel de Medicina, 54 médicos judeus receberam esta láurea. No entanto, nenhum deles conseguiu descobrir uma vacina contra o vírus do antissemitismo. O antissemitismo é o vírus mais resistente criado na humanidade.

O racismo em geral, o antissemitismo incluído, não se baseia em análise histórica coerente, mas em preconceitos, ignorância e medo. Racismo em geral é uma resposta humana às diferenças que podem ter origem racial, social, sexual ou outras, baseado em um pré-julgamento de algum grupo – geralmente sem conhecimento suficiente do mesmo. Na visão destes, o “diferente” assusta, amedronta, ameaça e assim se forma o preconceito que não permite revisão – o racista analisa qualquer fato com base em seu preconceito – e daí que o pós-conceito continua o mesmo do pré-conceito, sempre. O preconceituoso não muda suas atitudes independentemente das evidências. Ele pré-determina sentimentos de diferença condicionante. Exemplos: Se é cigano, é mentiroso. Se é negro, é perigoso, se é judeu, é mau.

O antissemitismo, que é a mais antiga e prevalente forma de racismo, bebe da fonte de mentiras, intolerâncias e preconceitos. O antissionismo bebe na mesma fonte.

O preconceito opera em três níveis (Caleb Rosado, Eastern University Philadelphia, PA):

1. O nível cognitivo: O que as pessoas acreditam sobre os outros, seus estereótipos – um conjunto de generalizações exageradas e imprecisas sobre um grupo ou categoria de pessoas que são favoráveis ​​ou desfavoráveis, não suscetíveis de modificação por meio de evidências empíricas

2. O nível emocional: Os sentimentos que o OUTRO desperta em um indivíduo. Estes podem ser sentimentos negativos de medo, pavor, cautela, luta ou fuga; ou sentimentos positivos de alegria, solidariedade e riqueza, dependendo de como o outro é visto. Mesmo se conseguimos convencer o nível cognitivo, o preconceito no nível emocional ou afetivo não se altera, devido à necessidade psicológica que ele preenche a necessidade de se sentir superior, o que na realidade é um estado de inferioridade.

3. O nível comportamental: A tendência a se envolver em comportamentos discriminatórios, que é diferente de preconceituosos. Discriminação é o tratamento desigual de indivíduos ou grupos com base em alguns atributos, geralmente categóricos, como raça, etnia, gênero, religião, orientação sexual, idade ou pertencimento à classe social. Preconceito, por outro lado, é uma atitude. Quando o preconceito resulta em uma ação, torna-se discriminação. Ambos juntos formam a base do racismo. O preconceito é um viés de atitude, enquanto a discriminação é um viés de comportamento.

Sartre, filósofo francês define antissemitismo como uma paixão irracional de ódio e de cólera. O racismo em geral e o antissemitismo em particular não se baseia em uma análise histórica coerente, mas num olhar passional (Reflexões sobre o Racismo, Jean Paul Sartre).

O costume de atribuir a indivíduos de outra raça as desgraças de um país ou de um povo repousa, no fundo, na escolha pelos raciocínios passionais, na ideia de que o mal causado a um povo não pode ter se originado neste próprio povo. Não é a experiência que explica e justifica a conduta ou o juízo antissemita, mas a predisposição para a explicação racista das situações de crise.

Sartre evidencia que nenhum fator objetivo externo pode incutir no antissemita o seu antissemitismo e afirma que este sentimento é uma livre e total escolha de si mesmo, uma atitude global que alguém adota não só em face dos judeus, como ainda em face dos homens em geral, da história e da sociedade. O antissemita procura fatos que possam corroborar sua posição e os interpreta da maneira que melhor sirva à sua corrente ideológica ou à sua ideologia de fundo.

Para o antissemita, toda e qualquer coisa ruim no mundo tem origem no judeu. Seja o domínio do dinheiro ou a ideologia comunista, a perseguição ao palestino ou o domínio da imprensa. Hoje vemos novamente a atribuição de culpa pela propagação das pandemias – tal como a Peste Negra, agora é o Covid19.

O pensamento simplista do antissemita pode ser, em tese, resumido a: “se todo o mal do mundo vem dos judeus, acabando com os judeus, acaba o mal no mundo” – foi esta a base para a Solução Final desenhada pelo regime nazista na II Guerra Mundial.

O apelo à racionalidade, ao bom senso e à ponderação não surte efeito para o antissemita. A ideia preconcebida exige que a interpretação dos fatos se encaixe em sua ideologia, independente da realidade.

Voltando a Sartre, é interessante seu pensamento: “o antissemita é um homem que tem medo de si próprio, de sua consciência, de sua liberdade, de seus instintos, de suas responsabilidades, da solidão e, sobretudo, da modificação da sociedade e do mundo. O antissemita teme tudo enfim, menos seu ódio aos judeus, este é seu ponto de autoafirmação”.

Sartre prossegue: O antissemita é um covarde que não quer confessar sua covardia; um assassino que recalca e censura sua tendência ao homicídio sem poder refreá-la e que, no entanto, só ousa matar em efígie ou no anonimato de uma multidão; um descontente que não se atreve a revoltar-se por receio das consequências de sua revolta. Aderindo ao antissemitismo não apenas adota uma opinião, mas se escolhe como pessoa. Sartre conclui que, para o antissemita, o judeu, alvo de toda sua ira e revolta, não é senão um pretexto, em outra parte seria utilizado o negro, o amarelo, o homossexual.

Vimos que não é o caráter judeu que provoca o antissemitismo, mas que na verdade é o antissemita que cria o tipo judeu estereotipado como avarento, conspirador e nefasto.

Imagem: Quinn Dombrowski (Flickr)

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