Tudo continua igual, não há acordo
Por David S. Moran
Netanyahu, que tenta estender o seu julgamento, não voltou de Washington com o esperado acordo sobre os sequestrados israelenses nas mãos da organização terrorista Hamas. Trump, que quer o acordo e até falou que “o acordo está quase acertado”, encontrou-se com Netanyahu mais uma vez, mas não conseguiu finalizar o acordo. Netanyahu, que não quer perder o poder, sabia que em Jerusalém quem o esperava eram Smotrich e Ben Gvir e os teme.
Como eu sei? Pelo simples fato de que, logo ao voltar dos EUA, Netanyahu se reuniu com ambos e tentou persuadi-los a apoiar um acordo com o Hamas. Não conseguiu. Parece que o Likud já entende que o governo está para cair, sem saber quando isto ocorrerá. O membro do gabinete político-militar, Dudi Amsalem (Likud) disse em entrevista: “quem quer sair do governo, que saia”. Ao mesmo tempo, o líder da oposição, Yair Lapid (Yesh Atid), ofereceu ao Netanyahu rede de segurança de 23 deputados da oposição, no caso de os ultraortodoxos (haredim) deixarem o governo se ele apoiar e passar a Lei do Recrutamento igualitário para todos. O ministro do Exterior, Gideon Saar (Likud) disse: “a maioria no governo e na população é a favor da libertação dos reféns é a nossa oportunidade, não podemos desperdiçá-la”.
Todos em Israel já querem ver a libertação de todos os reféns, vivos e mortos. Mas, Netanyahu e esposa, provavelmente, não passaram o fim de semana no bem bom dos EUA (como de costume) porque ele temeu perder o governo e teve que acariciar os dois, Smortich e Ben Gvir, que servem de ministros no seu governo.
O exército israelense acredita que já cumpriu sua tarefa e está perdendo tempo e soldados, desnecessariamente. O governo tem que escolher entre acordo ou guerra com propósito pouco claro com objetivos políticos. Netanyahu até deixou seus dois ministros atacarem livremente o chefe do Estado-Maior, Zamir, que ele próprio nomeou. Netanyahu ao mesmo tempo luta muito pela lei que isente os haredim do serviço militar. Nas pesquisas de opinião pública, 74% do povo quer o término da guerra e a volta dos reféns.
Nos 653 dias de guerra (a mais longa que Israel travou), são 21 meses em que centenas de milhares de combatentes, da ativa e da reserva, põem em risco suas vidas em Gaza, na Síria, Líbano, Irã e outras fronteiras. O serviço militar regular foi aumentado em 4 meses, muitos reservistas foram chamados pela quinta e sexta vez e já passam dos 300, 400 dias de “miluim” (reserva). Eles deixam seus familiares, negócios colapsam, os estudos dos universitários são prejudicados e o título universitário se afasta. Neste tempo, 893 oficiais e soldados caíram nos campos de batalha.
Agora, novo embate se desenrola entre o governo e as forças de segurança. Trata se da “cidade humanitária”. Netanyahu criticou o plano apresentado pelos militares e estes dizem que fundar uma cidade humanitária é uma cilada estratégica. O Tsahal (FDI) tem que derrotar o Hamas e não assumir responsabilidade sobre dois milhões de civis, construir-lhes tendas, alimentá-los, esgotos, infraestrutura sanitária, assistência médica, etc. O General Zamir informou que o Hamas está derrotado e não tem a capacidade de fazer danos a Israel enquanto Israel ocupa os pontos de passagens e o Eixo de Filadelfia, na fronteira com o Egito. Isto sem mencionar que o custo de construir a “cidade humanitária” é de 10 bilhões de shekels (quase 3 bilhões de dólares) e o mesmo para mantê-lo cada ano. Se a cidade for construída, estima-se que lá viveriam entre 600 mil a 1 milhão de habitantes. Para manter sua segurança seriam necessárias algumas divisões militares. Israel precisa disso como precisa de um furo na cabeça.
E se não faltassem problemas, depois de que tudo estava em andamento para um momento histórico na vida de Israel com seus vizinhos, o de um acordo de paz entre o Estado Judeu e a Síria do ex-terrorista do Estado Islâmico, al Julani, ressurgiu o problema das chacinas de grupos terroristas contra os drusos sírios. Estes ataques, pelo visto apoiados pelo novo regime sírio, acionaram os drusos de Israel e das Colinas do Golan. As FDI foram acionadas e a aviação israelense atacou tanques e veículos militares que se dirigiam a região do Jabel Drus (o Monte druso, santificado por eles), e onde está a cidade de A Swaida. Devido aos ataques israelenses, inclusive ao ministério da Defesa em Damasco, as lutas cessaram. O governo de Al Julani, de terno, já combateu outras minorias como os alawitas (seita do ex-presidente Assad) e os yazidis, minoria curda.
O primeiro-ministro Netanyahu estava no tribunal dando depoimento, quando o embaixador americano, Mike Huckabee, apareceu para lhe dar apoio. Fato inconcebível de intromissão nos assuntos internos de Israel. O presidente Trump já havia feito a mesma gafe, quando disse que não tinham que julgar o Netanyahu. Infelizmente, Netanyahu não cumpre o que disse e não passou o bastão a outro deputado do Likud, até terminar os seus julgamentos, para retomar o posto político máximo caso seja absolvido. Pouco depois do início do depoimento Netanyahu teve que deixar o tribunal para tratar dos combates na Síria. Infelizmente, parece que o governo americano pensa que Israel é um Estado seu, pois Netanyahu mais fala em inglês com a imprensa americana e não dá entrevistas a mídia israelense.
O governo Netanyahu está um pouco abalado pela renúncia dos deputados da Yahadut Hatorá (ultraortodoxos) e, na quarta-feira (16/07), dos deputados do Shas (religiosos sefarditas) dos ministérios que ocupam, por ordem dos seus rabinos, contrários ao alistamento militar. Este fato que divide o público israelense é um ultraje. Antes da renúncia, Netanyahu fez de tudo para que isto não acontecesse. Ao contrário do costume de que todos os que ele quer ver, vêm ao seu gabinete, ele se incomodou e foi ao gabinete do deputado Yuli Edelstein, que redige a nova lei do recrutamento igualitário para todos, e tentou convencê-lo mudar a redação. Os ultraortodoxos darão apoio ao governo de fora, pois sabem que não receberão mais de outros. A evasão das obrigações dos haredim não tem cabimento. O exército está com falta de soldados. Há reservistas que já estão fazendo mais de 400 dias de serviço militar deixando seus afazeres regulares. Os haredim temem que seus jovens entrem no exército haredim e o deixem leigos. Para que isto não ocorra, o exército veio ao encontro de suas necessidades e formou regimentos como Netzah Yehuda e Hashmonaim, com comida casher deles. Infelizmente, seus líderes são contra. Mesmo se eles deixassem de estudar a Torá por dois anos e meio, com sua convicção, voltariam a estudá-la, não haveria prejuízo nenhum.
Os Houtis que são os últimos proxies do Irã contra Israel, continuam a molestar com os lançamentos de mísseis que são abatidos em pleno ar fora do espaço aéreo de Israel. Mas, os houtis não são só problema de Israel, eles ameaçam a segurança marítima mundial. Com seus atos de pirataria, se apoderam de navios que querem passar pelo Estreito de Bab al Mandeb, em direção ao Canal de Suez, matam marinheiros, sequestram-nos e até explodem os navios com seus carregamentos, causando prejuízos ecológicos. O Egito, que controla o Canal de Suez, perde bilhões de dólares devido à paralização de passagem pelo canal e sua economia está péssima. Outra atividade dos houtis é a fabricação de entorpecentes, tipo Coptagon. Este entorpecente, que era fabricado na Síria e agora é produzido no Iêmen, gera uma boa fonte de renda aos houtis.
O último reduto da democracia israelense está em perigo. A juíza Gali Baharav-Miara é a Assessora Jurídica do Governo, que está em constante conflito com os interesses do governo que, a seu critério, não atendem as normas jurídicas. Por este motivo Netanyahu quer depô-la e nomear outro Assessor, que lhe seja mais compatível. Ela foi convocada para uma audiência da Comissão de Ministros, na segunda-feira (14/07) e não a atendeu por “razões estranhos e corruptos”, segundo ela, já que eles previamente informaram que vão demiti-la. Então, convocaram-na para quinta-feira (17/07) e ela disse que não atenderia “pelas razões de que eu impedi atividades ilegais e como um negócio-político de assegurar a sobrevivência do governo”.
O Assessor Jurídico anterior, Avichai Mandelblit, General (Ref.), advogado, disse: “tem que manter a independência dos sistemas. A atitude de Gali é certa, a sua convocação é um circo. A comissão de ministros é tendenciosa, pois todos já se expressaram anteriormente que querem demiti-la. Acho que estamos próximos à crise constitucional, espero que o governo não faça este passo de não atender ao veredito da Suprema Corte”. Mandelblit que foi muito próximo do Netanyahu adiciona: “todas as linhas de defesa da democracia israelense, o governo quer erradicar, a Suprema Corte, a mídia e a Assessoria Jurídica, então teremos um poder e não democracia”. Conclusão muito pessimista, mas real.
Foto: Oren Rozen (Wikimedia Commons), 05/11/2024
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