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Abacates e mangas, um enlace perfeito

Por Nelson Menda

Nossa casa, no bairro da Azenha, em Porto Alegre, foi construída em um terreno que dispunha de duas fachadas. A da frente estava voltada para a Rua Visconde do Herval, ao passo que a dos fundos se comunicava com uma simpática travessa, a Luiz Rosetti, cuja denominação prestava homenagem à memória de um jornalista italiano que veio ao Brasil cobrir a Revolução Farroupilha e acabou permanecendo no país.

No quintal dos fundos dispúnhamos, entre outras particularidades, de um galinheiro em que as aves morriam de velhice, pois ninguém teria a coragem de sacrificá-las. Quem tirava proveito desse galinheiro era nosso cachorro, o Joly, que se divertia surfando em um longo tapete e cujas viagens imaginárias terminavam abruptamente, com o bicho latindo para assustadas galinhas, que cacarejavam desconsoladas. Bobonas, pois estavam protegidas pela tela do galinheiro, mas galinhas, ao contrário de cães, corvos e papagaios, ao que eu saiba, nunca se notabilizaram pela inteligência.

No restante da parte dos fundos do terreno havia um espaço de terra dividido em canteiros onde pude desenvolver meus dotes agrícolas, plantando rabanetes, cenouras e outros vegetais para consumo doméstico. Certo dia, decidi semear naquele espaço um caroço de abacate, que acabou germinando e dando origem, com o tempo, a uma frondosa árvore. Frondosa, mas aparentemente estéril porque, depois de vários anos, não conseguia produzir um único fruto.

Meu pai decidiu chamar um dos seus “agregados” que, aparentemente, entendia do riscado para tentar descobrir o que havia de errado com esse abacateiro. O homem adentrou o terreno envergando um enorme porrete e, após uma análise do, até então, improdutivo vegetal, expressou seu veredicto: “essa árvore está precisando levar uma tunda de laço”. O que, no mais puro gauchês, significava que a árvore, para gerar frutos, deveria ser espancada. Minha mãe, que nutria um amor fervoroso pelas plantas, posicionou-se de forma radicalmente oposta ao tratamento proposto. Onde já se viu maltratar uma inocente árvore?

Mas não houve jeito. Se o tal abacateiro não levasse uma boa surra, permaneceria pelo resto dos seus dias sem gerar um único fruto. Concedido o sinal verde para a execução da pena e a estratégica retirada da figura materna do local do sacrifício o especialista caboclo em polinização vegetal arregaçou as mangas e iniciou uma cena digna do Marquês de Sade. E dê-lhe porretada no tronco da árvore, até julgar que a tarefa estivesse a contento. Segundo ele, seria apenas uma questão de tempo, após a realização da empreitada, para que aquele abacateiro rebelde começasse a gerar seus frutos.

Meu pai acertou com o homem a remuneração pela tarefa e não deu outra. Dali para a frente a árvore começou a produzir, de forma contínua, levas e levas de abacates, consumidos sob a forma de vitaminas, preparadas no liquidificador após uma generosa adição de leite e açúcar. Durante todo o tempo em que residimos naquela casa a árvore, cada vez mais frondosa, continuou fornecendo, de forma ininterrupta, grandes e suculentos abacates.

Com o falecimento do meu pai a casa foi vendida, me mudei para Santa Maria, onde cursei a Faculdade e fiquei sem saber o que aconteceu com o galinheiro, a pequena horta e o tal abacateiro. Mas aquela cena sempre me intrigou. Acabei concluindo que, provavelmente, o espancamento teria servido para estimular a fecundação dos elementos masculinos e femininos do vegetal.

Algum tempo depois, em viagem a Lima, no Peru, tive a oportunidade de saborear uma deliciosa salada de maionese servida, com todo requinte, dentro de um abacate, que eles chamavam de guacamole. Acabei aprendendo que o Brasil é um dos poucos países em que o abacate é preparado com açúcar e limão, ao contrário do que ocorre em outras regiões, onde é servido com sal.

Quando migrei para os Estados Unidos acabei conhecendo uma outra variedade de abacate, pequeno, mignon, igualmente delicioso, denominado Hass Avocado. Não sei se já é cultivado e consumido no Brasil, mas vale a pena conhecer um pouco mais a respeito desse fantástico fruto, que está revolucionando a economia e, pasme, os próprios cartéis mexicanos de narcotraficantes. Essa nova variedade de abacate, cujo nome homenageia um agricultor norte-americano, Rudolph Hass, que conseguiu, a partir de sucessivos enxertos, produzir essa variante, mais prática e fácil de consumir, exatamente por seu tamanho reduzido e mesmíssimo sabor. Não foi fácil produzir esse fruto. O autor da proeza, um agricultor norte-americano que residia no sul da Califórnia, na região de La Habra Heights, depois de várias tentativas infrutíferas, conseguiu alcançar seu objetivo em 1926. Hass faleceu em 1952, sem poder comprovar que o pequeno abacate que leva seu nome se transformou em um campeão de vendas em diferentes regiões do globo.

Atualmente o Hass Avocado, como o produto é popularmente conhecido nos Estados Unidos, representa 80% de toda a safra de abacates do país e 95% da produção agrícola da Califórnia. Rudolph conseguiu registrar o novo vegetal no Departamento de Patentes dos Estados Unidos em 1935, que recebeu o número 139, mas não se beneficiou diretamente desse feito.

Grande parte do Abacate Hass comercializado e consumido nos Estados Unidos atualmente provém do México e existe um fato bastante curioso a esse respeito. Os grandes cartéis mexicanos de narcotraficantes, que têm se notabilizado pela violência com que operam e enfrentam seus desafetos, descobriram que, além das drogas, poderiam ganhar muito dinheiro de forma honesta e produtiva. Como? Cultivando, embalando e exportando esse “pequeno notável”, o delicioso e nutritivo Abacate Hass, ou Hass Avocado, como é popularmente conhecido aqui nos Estados Unidos. Até que seria uma boa ideia para outras organizações criminosas. Ao invés de drogas, estimular a produção, cultivo e comercialização de frutas e outros vegetais.

Aproveito para sugerir o estímulo à plantação de mangueiras, cujas frutas, originárias da Índia, se adaptaram maravilhosamente bem ao clima do Brasil. Também são deliciosas e podem ser consumidas de diferentes maneiras. Existe até uma cidade no Brasil, Belém, cujas ruas são arborizadas com mangueiras. Além de propiciar uma agradável sombra durante os meses quentes do ano, ainda servem para fornecer um saudável, nutritivo e perfumado alimento.

As mangas, que nas inexplicáveis e confusas regras do português, são consideradas plantas do gênero feminino, até que fariam um belo par com esse abacate masculino, o Hass. Minha sugestão seria um enlace matrimonial entre a deliciosa Manga Haden e seu noivo, o pequeno notável Abacate Hass. Acho que não seria pedir muito e quem já teve a oportunidade de saborear essas duas variedades de frutas certamente irá concordar comigo.

Foto: PxHere

4 thoughts on “Abacates e mangas, um enlace perfeito

  • Susana Menda

    Nao lembrava da surra do abacateiro , gostei da historia

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    • Vani Medina

      Incrível a história do abacateiro!
      De fato estes pequenos abacates conhecidos como Hass abacate, são deliciosos!
      E acredito que o casamento entre o Hass abacate e a manga seria um sucesso, kkkkkk!
      Grande abraço Nelson…

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  • Ana Maria de Albuquerque Maranhão Beeck

    bem verdade isso. Fiz uma vez a experiência de uma árvore de tangerinas no meu pequeno quintal e coloquei cinzas de carvão de pedra também pata consolar a árvore mirrado no canto da parede. Foi um verdadeiro milagre !!!

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  • Vani Medina

    Incrível a história do abacateiro!
    De fato estes pequenos abacates conhecidos como Hass abacate, são deliciosos!
    E acredito que o casamento entre o Hass abacate e a manga seria um sucesso, kkkkkk!
    Grande abraço Nelson…

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