Opinião

Acabou!

Por Daniel Weikersheimer

Essa é a palavra que estava presa na garganta de todos e que hoje, finalmente, temos confiança para dizer. Dois anos. Se nos contassem, não acreditaríamos. Dois anos vivendo em estado de alerta, como num mergulho profundo em que é preciso prender a respiração, sem saber por quanto tempo ainda.

Quantas coisas novas incorporamos à nossa realidade. Quantas palavras novas aprendemos, nenhuma delas exatamente boa, mas fatos. Aprendemos a normalizar nossas idas ao bunker sempre que ouvíamos uma sirene. Aprendemos a nos preparar para o bunker já nos alertas anteriores às sirenes. E, nessas idas, aprendemos a esperar e a voltar à normalidade como se nada tivesse acontecido. Aprendemos a sofrer a dor de pessoas que não conhecemos – cada perda parecia atingir alguém do nosso convívio próximo, quase da família. Nos acostumamos a ver amigos, filhos de amigos e amigos de amigos irem para o campo de batalha sem saber exatamente o porquê, nem como, ou se voltariam. Angústia. “O que será que vem agora?” era a pergunta que nos fazíamos a cada novo incidente. Aprendemos a ouvir bombas estourando perto de nós, a prender a respiração e a torcer para que não estivessem tão próximas assim.

E, no nosso vocabulário, certamente “mechablim” e “chatufim” (terroristas e sequestrados) não foram palavras que aprendemos no ulpan.

Sou olê chadash, embora, com cinco anos de aliá, já não me considere tão chadash assim. Chegamos em tempos de pandemia – um grande desafio -, mas nunca imaginamos o que teríamos pela frente em um futuro tão próximo. O desafio passou a ser não apenas continuar a nos adaptar à nova realidade, mas a uma nova realidade dentro da nova realidade. Apesar de israelenses tentarem nos convencer de que isso é rotina aqui, acredito que, desta vez, eles também começaram a pensar e ver de forma diferente. Foram dois anos. Não bastassem as notícias diárias de baixas entre nossos soldados – e, a cada foto compartilhada, nossos corações em frangalhos -, vimos também a mobilização do mundo em um movimento contra Israel e contra judeus. Antissemitismo! Aquilo que levou nossos avós a saírem de suas casas – o fantasma que parecia guardado no armário – voltou a nos assombrar. Não faz sentido termos que esconder nossa identidade ao viajar para outros países; não fizemos mal a ninguém. E o mais difícil: tentar explicar, não para inimigos, mas para amigos, que o que se passava aqui foi consequência de um ataque provocado e que o que veio depois – com toda a fatalidade que atingiu nossos vizinhos inimigos (mais ou menos inocentes) – decorreu, em grande parte, de sua liderança, amplamente apoiada por uma parcela considerável deles.

Sim, há muitos poréns do nosso lado – as ações do nosso governo, de seus governantes e aliados nem sempre nos orgulharam: frases soltas, falta de clareza na estratégia e nas prioridades, desconfiança quanto à legitimidade para atingir os objetivos. Enfim, muita coisa que tivemos de explicar, tentar entender e, às vezes, justificar.

Mas algo inquestionável – por mais piegas e clichê que soe – é a união e a força do povo de Israel; não a versão expandida do “povo de Israel”, e sim a população israelense. De fato, só dá para entender estando aqui, vivendo aqui. O que parece óbvio e lógico, visto de longe, é totalmente diferente. Vivemos no Oriente Médio, com mentalidade europeia, cercados por países que ou não querem nossa existência ou não são exatamente nossos fãs. Ouvir opiniões de quem está a milhares de quilômetros, com visões políticas moldadas pelas mídias locais, nem sempre foi agradável. Aqui foi diferente: vimos parentes e amigos do nosso círculo mais próximo mudarem seu posicionamento político, revisarem dogmas, verdades e crenças diante de fatos jamais vividos. Sentir na pele é diferente de teorizar.

A felicidade de ter de volta nossos irmãos sequestrados e a esperança de que um novo cenário se instaure na região são imensas – principalmente para quem é um eterno positivo e otimista. Cada vez mais certo de que aqui é o nosso lugar e de que precisamos perpetuar sua existência para que a nossa também seja garantida.

Agora, que tudo volte ao “normal”, dentro do possível. Esperamos a volta de todas as companhias aéreas voando para cá, que o turismo retome com força total e, ainda, que tenhamos um grande movimento de aliá. Poder novamente circular por ruas, estradas e aeroportos sem ver fotos de pessoas arrancadas de suas vidas; sem mais cadeiras amarelas vazias esperando por quem não sabíamos se voltaria. Nossa, que alívio!

Quero continuar dizendo, com orgulho, que vivo em Israel, que sou israelense por opção e que esta é a terra do leite e do mel, de onde viemos e onde permaneceremos.

Am Israel Chai.

Foto: Dana Reany (X Bring Them Home Now)

Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam necessariamente a opinião da Revista Bras.il.

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