Bizarro, mas não surpreendente
Por Maximiliano Ponte, médico psiquiatra
Bizarro (mas não surpreendente): das redes sociais de minha filha aos carros pichados em Châtel, o antissionismo como antissemitismo moderno.
Hoje, ao deixar de manhã no cursinho minha filha Luiza, que é maskirá do Habonim Dror em Fortaleza, ela me contou sobre uma postagem que fez em suas redes sociais. Era uma brincadeira, em tom irônico: questionava por que herdou de seus antepassados judeus apenas o nariz grande e não uma fortuna ou o poder de controlar a imprensa mundial, ou algo assim. Entre os comentários, apareceu um: “Free Palestine”.
No mesmo dia, ainda antes das 9h da manhã, vi na internet a imagem de carros pichados em Châtel, França, também com os dizeres “Free Palestine”. Ao ver a foto, tirei um print e enviei para ela, comentando: “sobre o que falamos mais cedo”. De pronto, ela me respondeu: “Bizarro!”.
Eu e ela já havíamos conversado diversas vezes sobre por que esses atos não acontecem diante de embaixadas ou consulados, mas sim contra propriedades privadas de judeus. A resposta que encontramos é simples e perturbadora, embora óbvia: esse tipo de ação não é crítica política, é intimidação contra judeus apenas por serem judeus.
Durante muito tempo, eu mesmo vi o antissionismo e o antissemitismo como fenômenos distintos. Hoje, percebo que, em muitos casos, o antissionismo serve como roupagem moderna para o mesmo preconceito antigo. Quando a crítica a Israel deixa de se dirigir a governos e passa a recair sobre judeus em qualquer lugar do mundo, estamos diante de uma atualização do antissemitismo.
E é interessante notar que essas pichações e comentários costumam se intensificar justamente em momentos como o atual, em que Israel trava uma guerra contra o Hamas, uma organização terrorista que não esconde em sua própria carta fundadora o objetivo de destruir o Estado de Israel. Além de lançar mísseis e atacar civis israelenses, o Hamas alimenta deliberadamente a retórica de ódio, incentivando ataques a judeus em diferentes países, como se cada judeu fosse responsável pelas ações de um governo a milhares de quilômetros de distância. Ainda que se possa questionar a forma como Israel conduz essa guerra, é inquestionável que se trata de um conflito contra um agressor real, cujo propósito declarado é a aniquilação do Estado judeu.
Pichar “Free Palestine” em carros de judeus franceses, ou escrever o mesmo comentário em tom acusatório numa postagem de uma jovem brasileira, amazonense, que mora em Fortaleza, não é solidariedade ao povo palestino. É responsabilizar coletivamente pessoas que nada têm a ver com as decisões de um Estado e sem sequer saber suas opiniões sobre a questão. Em muitas ocasiões, separar antissionismo de antissemitismo não passa de uma estratégia covarde de quem não quer se assumir antissemita. Mais do que isso: é uma forma de se alinhar, ainda que indiretamente, com aqueles que ao longo da história cometeram as maiores atrocidades contra os judeus, da Inquisição medieval ao Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial e que, em tempos recentes, continuam a propagar esse ódio sob novos disfarces.
A crítica a políticas de governos é legítima. Mas quando ela se traduz em hostilidade contra sinagogas, escolas, cemitérios ou propriedades privadas de judeus, já não é política: é ódio. O episódio de Châtel, somado ao comentário recebido por minha filha, deixa claro que o antissionismo, quando se materializa dessa forma, nada mais é do que antissemitismo em versão moderna.
É bizarro, embora nada surpreendente.
Foto: Redes sociais
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