Brasil, a memória e o perigo do retrocesso
Sofia Débora Levy. Representante para a Memória do Holocausto do Congresso Judaico Latino-Americano
Há semanas, estamos vendo as reverberações da decisão do Presidente Lula de retirar o Brasil de membro-observador da International Holocaust Remembrance Alliance (IHRA), uma organização intergovernamental que trabalha, desde sua fundação no final dos anos 1990, para a preservação da memória do Holocausto e o combate ao antissemitismo, o preconceito contra os judeus.
O Brasil se tornou membro-observador desta organização em 2021. Após três anos, o país-membro pode pleitear se tornar membro pleno, mediante maior comprometimento com a causa por meio de ações educacionais e políticas públicas. Mas, em 2025, em meio a uma escalada global de aumento do antissemitismo, o Presidente Lula, com esse anúncio, colocou o Brasil na direção oposta.
Isso salta aos olhos de quem se sensibiliza com a história do Holocausto e, em especial, das famílias de sobreviventes, judeus ou não judeus, pois a barbárie nazista assassinou seis milhões de judeus e outros cinco milhões de pessoas entre ciganos, pessoas LGBT, afrodescendentes, pessoas com deficiência física ou mental, maçons, orientais, eslavos, comunistas, opositores do regime nazista, prisioneiros comuns, enfim, diversos grupos minoritários que foram considerados indesejáveis.
Até o início do século XX, o antissemitismo atravessou a história por um viés religioso; no nazismo, antissemitismo religioso deu lugar a um critério racial, referente não somente à cor da pele, mas à hereditariedade. O parâmetro era a raça ariana, com características biológicas, físicas e culturais colocadas como superiores em relação a outros grupos. A ideologia nazista perdura no mundo até hoje, procurando tomar espaço na politica partidária novamente, com as mesmas prerrogativas racistas e totalitárias.
Apesar de reiterarmos que devemos estudar a História para que ela não se repita, o que estamos vendo é uma repetição de atos bárbaros. A banalização da violência toma forma numa série de ataques terroristas que ocorrem no mundo, pegando de surpresa vítimas de diversas minorias em diferentes localidades. Mas, sob os holofotes da mídia, estão aqueles que têm como alvo central o Estado de Israel e os judeus. O antissionismo, posição contrária à existência do Estado de Israel, é a mais forte faceta contemporânea do antissemitismo. Desde o ataque de 7/10/2023, quando o grupo terrorista Hamas, que governa a Faixa de Gaza de forma totalitária, invadiu o sul do Israel e assassinou num único dia 1.200 pessoas e fez mais de 250 reféns, a reação de defesa de Israel provocou reações antissionistas que trazem, adjuntas, o ódio aos judeus.
É hora de dizermos basta a essa nova forma de discriminação, calcada numa narrativa enviesada sobre a guerra entre o Hamas e o Estado de Israel, que passou a se defender contra um grupo que declara querer destruí-lo, e aos judeus, e ainda mantém reféns desde seu ataque hediondo.
Os esclarecimentos históricos são muitos e necessários, mas, fundamentalmente, o Brasil foi bem reportado por muitos sobreviventes do Holocausto que aqui vieram, depois de 1945, e encontraram acolhimento. É essa a palavra que nós brasileiros queremos ver novamente como a cara do país, que acolhe de braços abertos e incorpora as pessoas. Um país que queremos ver, na prática, na sua plena democracia. Por isso, esperamos que, em breve, o Brasil volte a ocupar na IHRA um lugar internacional de comprometimento com a preservação da memória do Holocausto e com o combate ao antissemitismo, tão necessário nos dias de hoje.
Foto: © Ricardo Stuckert (Presidência da República)
Artigo publicado no INFOBAE, Opinión, 30/07/2025
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