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O apaziguamento enquanto o mundo queima

Por Deborah Srour Politis

Esta semana foi marcada por dois eventos que parecem não ter relação mas ao final almejaram o mesmo: a vitória dos agressores e a submissão das vítimas.

No domingo passado, a agência Reuters publicou um artigo titulado: “Papa: a Ucrânia deveria ter a ‘coragem de bandeira branca’ nas negociações”. A Reuters estava relatando as observações que o Papa Francisco havia feito numa entrevista dada em fevereiro para a emissora suíça RSI sobre a guerra na Ucrânia. Enquanto a Rússia de Putin se recusa a retirar as suas forças do país que invadiu sem provocação há dois anos, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, diz que “embora queira a paz, não desistirá de nenhuma parte do território ucraniano”.

Na entrevista, o papa teria dito: “…acho que o mais forte é aquele que olha para a situação, pensa no povo, e tem a coragem da bandeira branca e negocia”. Surpreendente.

Em vez de se concentrar em encontrar maneiras para forçar a mão ensanguentada de Putin para ele parar a sua agressão, o papa gostaria de ver a vítima, a Ucrânia, de joelhos, se rendendo.

Em outra parte da entrevista falando da guerra entre Israel e o Hamas, Francisco disse: “Negociar nunca é uma rendição”. O papa, que tem 87 anos ainda era um jovem quando a Inglaterra, a França e a Itália “negociaram” com os nazistas e acabaram entregando à Hitler os Sudetos que faziam parte da antiga Checoslováquia. Na época, o sorridente Chamberlain saiu das “negociações” se gabando que a guerra havia sido evitada. Não demorou um ano e a Alemanha atacou a Polônia começando a Segunda Grande Guerra.

Falando sobre a guerra entre Israel e o Hamas, Francisco disse: “Negociar nunca é uma rendição”. Em Israel sabemos bem demais o que significa “negociar com o Hamas”.

O papa também tem idade suficiente para saber das consequências do apaziguamento.

Por outro lado, os ataques do partido democrático americano a Israel chegaram na estratosfera na quinta-feira quando o líder do Senado, Chuck Schumer, falando no plenário, atacou o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, com a guerra ainda em curso. Numa interferência sem precedente na política de um país independente e soberano, Schumer apelou por novas eleições em Israel declarando que Netanyahu tinha “perdido o rumo” e que ele estaria “muito disposto a tolerar o custo civil em Gaza”. Ele disse que “como apoiador vitalício de Israel, tornou-se claro para ele que a coligação Netanyahu já não se adapta às necessidades de Israel depois de 7 de Outubro”, e acusou Netanyahu de continuar a lutar em Gaza por sua sobrevivência política. Biden por seu lado chamou a campanha militar de Israel de “exagerada” e acusou Netanyahu de usar a ajuda humanitária como “moeda de troca”. Estas declarações vieram logo após o vazamento de um relatório da inteligência americana sobre ameaças à segurança nacional, que tratava de avaliações sobre Israel.

Está patente que o partido democrata está cada vez mais preocupado com o impacto que a guerra em Gaza está tendo nas pesquisas de preferência de voto para as próximas eleições presidenciais americanas. Os democratas precisam desesperadamente que Israel declare que aceitará a solução de dois estados depois que a guerra acabar. Mas ao que parece, os dois estados a que se referem são Michigan e Minnesota que abrigam uma comunidade árabe expressiva.

A posição de Israel em resposta foi categórica. “Aqueles que elegem o primeiro-ministro de Israel são os cidadãos de Israel e mais ninguém”. “Israel não é um protetorado dos EUA, mas um país independente e democrático cujos cidadãos são quem elegem o governo. Esperamos que os nossos amigos ajam para derrubar o regime terrorista do Hamas e não o governo eleito de Israel”.

O relatório vazado afirma que a “viabilidade do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu como líder, bem como a sua coligação governamental …. podem estar em dúvida. Um governo diferente e mais moderado é uma possibilidade”.

Dado que é raríssimo que uma avaliação da inteligência americana sobre um outro país chegue a público, ficou claro que o vazamento foi uma tentativa da administração Biden de interferir na situação política interna de Israel. E isso é um erro.

É um erro porque é simplesmente uma falta de tato, é uma falta de respeito um país interferir na política interna de outro, especialmente de um aliado próximo. Mas Biden não foi o primeiro a ter esta ideia. Durante décadas, os EUA procuraram fazer pender a balança política em Israel. Em 1992, o então presidente americano, George H. W. Bush reteve garantias de empréstimos extremamente necessárias a Israel, sabendo que isso ajudaria Yitzhak Rabin a derrotar Yitzhak Shamir nas eleições daquele ano.

Em 1996, Bill Clinton fez de tudo, menos distribuir panfletos para eleger Shimon Peres no lugar de Netanyahu. Em 2022, o presidente Joe Biden tentou apoiar o então primeiro-ministro Yair Lapid visitando Israel quatro meses antes das eleições que elegeram Netanyahu.

O problema de tentar interferir nas eleições de outro país não é apenas o fato de ser errado e gerar ressentimento, é uma posição paternalista dizer que os Estados Unidos sabem mais sobre o que é bom para os cidadãos de Israel. Mas, como tem sido o caso cada vez que os EUA tentaram destituir Netanyahu, o tiro sai invariavelmente pela culatra. Clinton, Obama e Biden fizeram o que puderam para virar o público contra Netanyahu, mas em cada caso, seus esforços tiveram o efeito oposto.

Biden também interpretou mal o público israelense. Numa entrevista à MSNBC, Biden alertou Israel contra entrar em Rafah. Citando números fornecidos pela própria organização terrorista, o presidente disse: “Não podemos ter mais 30 mil palestinos mortos como consequência de perseguir” o Hamas. “Existem outras maneiras… de lidar… com o trauma causado pelo Hamas”.

Senhor Presidente, Israel não está sacrificando as vidas dos seus soldados para lidar com “o trauma” de 7 de Outubro. Isto não é nenhum tipo de terapia psicológica. O objetivo aqui é de evitar outro 7 de Outubro, de destruir as capacidades do Hamas e, ao mesmo tempo, criar uma dissuasão que, esperamos, também servirá contra a Hezbollah no Norte. Israel não está procurando uma cura para um trauma. Está buscando o retorno dos mais de 134 reféns que ainda permanecem nas mãos dos terroristas.

E saiba que os israelenses são maduros e inteligentes o suficiente para saberem o que é bom para o seu país, especialmente depois de futilmente terem tentado de tudo para fazer a paz com estes terroristas e não precisam da ajuda dos Estados Unidos para escolher seus líderes. Assim, fiquem fora da política interna de Israel.

E chegou mais uma vez a hora de repetir que o apaziguamento não funciona. Se cedermos aos agressores, seja Putin, ou as organizações terroristas apoiadas pelo Irã, não salvamos vidas. Só preparamos o campo para a próxima rodada de hostilidades.

Cada vez que repreende Israel, Biden cria menos incentivos para o Hamas depor suas armas e o preço dos reféns aumenta. O aviso de que Israel estaria ultrapassando certas linhas vermelhas se continuasse a agir, mostra que o presidente dos EUA, tal como o papa, não conhecem o mapa do Oriente Médio ou sabem o que se passa diariamente lá. Da mesma forma, a insistência em garantir que quantidades cada vez maiores de “ajuda humanitária” sejam enviadas para Gaza, onde a maior parte acaba nas mãos do Hamas, não é forma de acabar com uma guerra, apenas a alimenta. Seria mais produtivo exigir que o Hamas libertasse os reféns e se rendesse. Somente hoje Israel foi alvo de dezenas de mísseis de Gaza e do Líbano.

As bandeiras que os árabes hasteiam não são brancas. São vermelhas de sangue. E o mundo deveria prestar mais atenção. O papa e Biden não estão sozinhos ao confundir bandeiras brancas com a fumaça negra enquanto o mundo queima.

Foto: GPO

 

One thought on “O apaziguamento enquanto o mundo queima

  • Julinho Aisen

    Artigo extremamente lúcido! Todo apoio ao governo de Israel e a IDF! Deixemos a política pra depois da VITÓRIA!🙏

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