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Universidades como celeiro de racismo

Por Marcos L Susskind

Recentes eventos ocorridos nas universidades norte-americanas, em especial em Columbia e Harvard, se caracterizam por perseguições e ataques físicos contra estudantes judeus, que precisaram se refugiar por horas na biblioteca de onde só conseguiram ser evacuados horas mais tarde, com ajuda e proteção policial.

Na Unicamp, uma atividade acadêmica teve de ser cancelada em razão da violência por parte de estudantes que ameaçavam invadir o local. Na USP, estudantes ocuparam o prédio de História e Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, em manifestações contra Israel.

Será este fenômeno um renascimento dos anos 1920/30? O racismo alemão, que humilhou, segregou, confinou e finalmente dizimou judeus não nasceu com o Nazismo, mas o precedeu, iniciando-se como movimento organizado no local onde menos se espera: dentro dos muros das universidades, que deveriam ser o celeiro de criação, tolerância e formação de lideranças.

Em meu livro “Combatendo o Antissemitismo”, eu mostro que o fenômeno passa por mutações ao longo da História:

  • Inicia-se com o antissemitismo sociocultural – Babilônia, gregos selêucidas;
  • Ao qual se somará o antissemitismo religioso – Cristianismo nascente, Cruzadas, Islã, Inquisição;
  • Seguido pelo antissemitismo socioeconômico – Europa medieval e pós-medieval;
  • Posteriormente vem o antissemitismo racial – Nazismo;
  • Chegando ao atual antissemitismo político – Negação aos judeus do direito a um Estado.

Todos os movimentos de ódio na história acabam substituídos por outro tipo de ódio, exceto um: o antissemitismo. Cada nova etapa se soma à anterior ao invés de substituí-la, algo exclusivamente presente no preconceito e ódio contra judeus.

O caso alemão serve como um sinal de alarme ao que está ocorrendo dentro do ambiente universitário nos dias atuais. Os historiadores dizem que, desde a década de 1880, os estudantes universitários alemães adotaram formas fortes de judeofobia com a corrosão dos valores humanistas nas universidades, a insegurança quanto ao mercado de trabalho acadêmico, o declínio dos padrões de vida após 1918, o choque frente a radicais de esquerda e a criação (em 1926), da Liga Nacional-Socialista de Estudantes. Já entre 1922 e 1932, antes da ascensão do Nazismo, estudantes alemães exigiam a redução drástica da presença de professores e alunos judeus nas universidades. Esta atitude talvez tenha sido o que impulsionou o recém-eleito governo nazista a criar (aos quatro meses de governo, em abril de 1933) a “Lei para a Restauração do Serviço Público Profissional”, ordenando a demissão de funcionários públicos judeus e forçando cerca de 1.200 acadêmicos judeus a deixarem seus cargos universitários até o final de 1933. O nível de racismo pode ser melhor entendido pelo fato que os estudantes não consideraram isso suficiente. Passaram a boicotar as aulas de professores judeus que permaneceram, o que levou o regime nazista a banir todo e qualquer professor judeu em universidades até o final de 1935, conquistando ainda mais a simpatia dos estudantes.

A tolerância governamental às atitudes antissemitas dos estudantes funcionou como um incentivo para que a perseguição passasse então aos estudantes judeus. Na Universidade de Baden os estudantes proibiram alunos judeus de sentarem-se nas primeiras filas da classe e, pouco depois, com o apoio da comunidade acadêmica, o governo de Baden proibiu a admissão de alunos judeus a todas as faculdades. Em outubro de 1933, o estado da Prússia decretou que estudantes judeus de Medicina e Odontologia só poderiam receber seu diploma caso renunciassem à cidadania alemã. A pressão estudantil contra a admissão de judeus foi tamanha que, em novembro de 1938, já não havia sequer um aluno judeu em qualquer faculdade de medicina na Alemanha, fato saudado pelo jornal estudantil nazista “Die Bewegung” com a manchete: “O Fim do Doutor Cohn em Medicina”. A pressão antijudaica se espalhou rapidamente, ainda em 1933, contra estudantes judeus de Direito, Arquitetura, e até Agricultura, que contava com ínfimo número de judeus.

Em 1938, estudantes bloquearam e impediram a entrada de alunos judeus em universidades. Veja-se o paralelo com o ocorrido na Universidade de Columbia e outras nos EUA. Mas também há episódios similares no Brasil. Em maio de 2024, o Centro Acadêmico de Serviços Sociais da PUC-SP resolveu expulsar um aluno por este ser judeu. Na Universidade Federal de Santa Maria, grupos estudantis protocolaram carta à Reitoria exigindo os nomes de todos os estudantes israelenses.

Estes fatos fazem ressoar algumas perguntas da jornalista espanhola Pilar Rahola, ex-deputada da Esquerda Republicana da Catalunha. Rahola pergunta, em um de seus artigos a respeito de judeus, de Israel e dos conflitos no Oriente Médio:

  • Por que, de todos os conflitos no mundo, apenas este lhes interessa?
  • Por que um país minúsculo que luta para sobreviver é criminalizado?
  • Por que as informações manipuladas triunfam tão facilmente?
  • Por que todo o povo de Israel é reduzido a uma simples massa de imperialistas assassinos?
  • Por que não há culpa palestina?

E a pergunta mais impactante:

  • Por que, quando Israel é o único país do mundo ameaçado de extinção, também é o único que ninguém considera vítima?

É inegável que muitos dos atuais universitários galgarão postos de importância na economia, no empreendedorismo e principalmente na política. Devemos todos preocupar-nos com os riscos que o atual ambiente universitário pode significar para nosso futuro como sociedade.

A maior parte da sociedade não pode ser incluída nem entre as vítimas, nem entre os perpetradores, e podem ser definidos como “espectadores” ou “observadores”, termo do historiador Raul Hilberg ao descrever os “isentos” durante o Holocausto: pessoas que testemunharam episódios racistas e antissemitas, mas que foram “passivos e indiferentes à escalada da perseguição”.

Teremos nós, nesta geração a culpa moral e a responsabilidade por sermos meros “espectadores”?

A pergunta acima é colocada para sua reflexão.

Foto: Exibição “Lawyers Without Rights”

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