Ir para o conteúdo
BlogsSimone Wenkert RothsteinÚltimo

Mas não é a mesma coisa

Por Simone Wenkert Rothstein

Neste blog você vai acompanhar os diálogos entre a Ana(lista) e outros personagens em conversas imaginárias, baseadas em fatos reais. Nesses encontros, Ana ajuda o seu interlocutor a refletir sobre algum incomodo, alguma situação complicada que a vida lhe trouxe. E bem, se você se identificar com as questões abordadas, não é mera coincidência, trata-se de questões que fazem parte da subjetividade humana e das Loucuras Cotidianas de qualquer olê chadash.

Dália compartilha seu incômodo com a comparação entre o ataque de 7 de outubro e o Holocausto. Ana Lisa valida sua percepção, mas diferencia os eventos em termos históricos, do campo da subjetividade, dos sentimentos, do trauma vivido. A conversa propõe uma escuta que respeita tanto a singularidade dos fatos quanto a universalidade do sofrimento humano. Mas será que é só isso?

Dália: Ana, tem um negócio que tem me incomodado demais e eu queria muito conversar com você…

Ana: Claro, Dália, o que foi?

Dália: É que desde o 7 de outubro, uma galera lá na faculdade tem feito comparações com o que aconteceu no Holocausto. E assim… eu sei que o que aconteceu aqui em Israel foi terrível, desumano mesmo. Mas me dá um incômodo muito grande quando as pessoas dizem que é “a mesma coisa”. Pra mim, não é. Eu sinceramente acho que dizer isso apaga a gravidade única dessa tragédia.

Ana: Entendo. E você tem razão, quer dizer, equiparar historicamente dois acontecimentos tão distintos pode ser um erro. O Holocausto envolveu uma política sistemática e industrializada de extermínio em massa, durante anos, com campos de concentração, de extermínio, câmaras de gás… Um projeto de morte organizado pelo Estado nazista.

Dália: Exatamente! Milhões de pessoas foram assassinadas. Crianças, idosos, famílias inteiras… comparar isso a um único dia, por mais terrível que tenha sido, me parece… desproporcional. Assim, acho que é meio que banalizar o Holocausto.

Ana: É importante distinguir; quando a gente fala do plano histórico, dos dados objetivos, cronologia, número de mortos, escala da destruição, sim, são acontecimentos bastante diferentes. O 7 de outubro foi um ataque brutal, mas não foi parte de um projeto de extermínio sistemático abrangente como o dos nazistas.

Dália: Pois é, então???

Ana: Mas, ao mesmo tempo, a gente pode pensar que o que as pessoas muitas vezes tentam expressar não é uma comparação objetiva, mas algo que se passa no nível subjetivo. É a dor individual, o trauma vivido por quem perdeu alguém, por quem está esperando um sequestrado, por quem viu sua casa invadida, sua comunidade atacada.

Dália: Você tá dizendo que tem algo parecido, mas não na história, mas na alma, no coração?

Ana: Isso. A dor de uma mãe que perdeu um filho queimado vivo, ou de alguém que viu seus pais sendo mortos na frente dos olhos – essa dor pode ser tão devastadora quanto a de alguém que perdeu a família inteira em Auschwitz. Não porque os fatos sejam iguais, mas porque a experiência de desamparo, de terror, de perda absoluta… pode tocar o mesmo lugar da alma.

Dália: Então faz sentido quando alguém diz “me senti como se fosse no Holocausto”, mesmo que, racionalmente, não seja a mesma coisa?

Ana: Sim. É como uma metáfora do horror. Uma forma de dizer: “eu vivi algo tão impensável, que me remete à maior dor que o povo judeu já passou”. E isso também diz muito sobre como o trauma coletivo do Holocausto segue vivo em nós, como uma ferida transgeracional.

Dália: Nossa… nunca tinha pensado assim. Porque às vezes eu ficava com raiva, achava desrespeitoso com os sobreviventes da Shoá…

Ana: E a sua indignação é legítima. É importante manter a memória histórica com clareza. Mas também é importante acolher o sofrimento de quem está vivendo um trauma agora. Porque quando alguém vive o medo de morrer, ou a dor de ver o inimaginável acontecer, o que essa pessoa precisa é ser escutada.

Dália: Faz sentido. Pra dor emocional, não existisse régua, não dá pra medir em números.

Ana: Exato, Dália. E para muitas pessoas, o que aconteceu no 7 de outubro foi o maior horror que elas já viveram. Isso não diminui o Holocausto. E também não diminui o está acontecendo hoje.

Dália: Quando você disse agora: “o que está acontecendo hoje”, me deu um arrepio, tenho que pensar mais sobre isso, entender um pouco mais o que eu tô sentindo. Tudo o que você falou faz todo o sentido, mas sei lá, acho que tem mais alguma coisa.

Ana: O que?

Dália: Tô achando que parte da minha irritação tem a ver com o medo por estar vivendo numa época em que o antissemitismo parece tanto com aquele da época do Holocausto. Tenho muuuito medo de pensar nisso. Sabe, nunca imaginei que poderia passar por situações que meus avós passaram e que, pra mim, eram coisas do passado. Quer dizer, quando a galera diz que o que a gente viveu em Israel, e que algumas famílias continuam vivendo, é como no Holocausto, eles trazem uma realidade que eu não queria que fizesse parte do nosso presente, não queria que fizesse parte da minha vida. Talvez essa seja a maior irritação: o meu medo. É muito difícil!

Ana: É… às vezes é mais fácil pra gente pensar que o passado é “coisa-do-passado” com toda a dor e todo o respeito que ele merece. Difícil se ver num presente tão próximo daquilo que era pra ser o “Nunca mais”.

Dália: O sentimento de impotência toma conta.

Ana: É, mas a gente segue em frente tentando entender, dando e buscando apoio, sentindo junto, cuidando da dor e da memória ao mesmo tempo.

Dália: Obrigada, Ana. De verdade.

Ana: Sempre que precisar.

Foto: Carlos Mascioni (Pixabay)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *