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Minha casa é um lixo

Do editor

Imigrar. Imigrar não é só mudar de país, aprender uma nova língua e vivenciar novas experiências. Imigrar é descartar uma bagagem de vida e começar a coletar novas e outras não tão novas.

E uma das coisas mais interessantes e pitorescas de Israel é justamente o descartar objetos ou móveis em bom, e às vezes ótimo estado, na rua, para que quem estiver precisando pegue. E isso é tão normal na vida do israelense que as coisas são deixadas nas esquinas ou próximas de latas de lixo ou recipientes de coleta de plástico ou papel e não dentro do lixo.

Muitas vezes, quem está jogando fora tem tanto cuidado para que o objeto seja aproveitado por quem necessita, que embala em plástico ou deixa dentro de sacolas penduradas próximas aos recipientes para reciclagem. Roupas são deixadas em bancos, dobradas ou em sacos plásticos ou na porta de brechós ou escolas.

Perto das grandes celebrações como Rosh Hashaná e Pessach muitas famílias têm o costume de renovar a mobília de casa e os eletrodomésticos, e é comum a gente ver na rua fogões, máquina de lavar, sofás, cadeiras, camas, cuncum, abajures e mais uma infinidade de coisas. Algumas cidades têm até o dia certo em que as pessoas podem colocar os objetos, principalmente os grandes, na rua. Muitas cidades também contam com um espaço da prefeitura, para onde elas recolhem os objetos que são descartados e vendem por um preço muito baixo.

A coisa é tão natural que até nos diversos grupos de brasileiros que existem no WhatsApp, as pessoas avisam que viram determinado objeto em determinado lugar e logo aparece um monte de interessados.

Em princípio, eu ficava surpresa em ver tantas coisas na rua e pessoas que estavam passando, paravam para ver, tocar e levar, até que chegou o meu dia. Tinha saído havia pouco tempo do Merkaz Klitá e na minha casa tinha apenas uma cama, uma mesa com cadeiras e uma televisão. Uma amiga veio me visitar e fui levá-la ao ponto de ônibus, a duas quadras da minha casa, quando voltei, na esquina da minha rua tinha dois sofás, um de três e um de dois lugares, perfeitos. Tinham acabado de colocar lá. Liguei para o meu marido e ele veio encontrar comigo na esquina… do sofá. Olhamos, olhamos, meu marido hesitou bastante até que resolvemos levar um dos sofás. Com muito custo chegamos com o móvel na porta de nosso prédio. E agora?, como subir se o sofá não cabia no elevador. Aí então conheci outra característica do israelense: a solidariedade. Um rapaz saía do prédio e viu nossa cara de desânimo e perguntou se queríamos ajuda. Antes de receber a resposta, pegou num braço do sofá, apontou para o meu marido pegar no outro lado e lá foram os dois levando o sofá para o terceiro andar. Nossa vida mudou! Agora podíamos assistir televisão sentados no sofá e não mais nas cadeiras da mesa. Um tempo depois compramos outro sofá, mas o que achamos na rua continua em casa e confesso que é mais confortável do que o novo.

Depois do sofá, senti falta de uma estante para colocar meus livros, e não é que vi uma estante perto da minha casa. Chamei o marido e ele veio, não sem antes me dar mil broncas, e entre uma e outra bronca, chegamos à conclusão de que a estante era muito grande, não conseguiríamos levar e não caberia no quarto. Aceitei o argumento e ao atravessarmos a rua para voltar para casa, o que encontramos? Outra estante! Pequena, branca, estilo Ikea. Morremos de rir! Aquele era o dia de levar uma estante para casa. Segurei numa ponta e ele na outra e lá fomos nós. Mas a dita era pesada e não consegui dar mais do que 10 passos. Mais uma vez a solidariedade do israelense se fez presente. Um rapaz segurando duas sacolas perguntou para onde íamos, respondemos que era mais uma quadra. Ele me deu as sacolas para segurar e pegou a estante como se fosse um pacote de algodão e em dois minutos deixou na porta de casa. Pegou as sacolas e se foi, não deu nem tempo de agradecer.

Uma outra vez vi um aspirador de pó, desses grandes, turbo, lindo, vermelho, meu sonho de consumo, depois do tanque, é claro! Cheguei perto e tinha um saco plástico pendurado nele. Abri e lá estavam todos os cabos, fios e acessórios necessários para o funcionamento do aspirador. Levei pra casa e estava funcionando perfeitamente e hoje é o meu fiel companheiro nos dias de faxina.

Conversando com algumas pessoas, tanto brasileiros quanto israelenses, quase todos já levaram um objeto pra casa, desde uma simples caneca até fogão e máquina de lavar. E para aqueles que têm o dom de consertar eletrodomésticos ou aparelhos eletrônicos com pequenos defeitos, as ruas de Israel são um grande laboratório. Apesar da lei em Israel obrigar o vendedor a retirar, gratuitamente, o eletrodoméstico velho no momento da entrega de um novo, muita gente prefere deixar na rua, pois sabe que será aproveitado por outra pessoa.

lixo na rua lixo na rua

lixo na rua

Quando falavam pra mim, juro que cheguei a pensar que era tipo uma ”síndrome do imigrante” onde tudo no novo país é lindo e normal, mas aos poucos fui percebendo, que é normal mesmo, pois não só os imigrantes como os israelenses também recolhem coisas que foram descartadas. Uma vez presenciei uma disputa: uma moça estava ao lado de duas cadeiras que estavam na rua, com a mão em cima de uma delas, provavelmente esperava alguém para ajudá-la. Nisso passa um homem, pára e pega uma das cadeiras. Ela começou a gritar שלי, שלי (é minha!!!) e o homem retrucou: não é sua! está na rua!, e apontou para a outra cadeira que ela segurava e disse: essa sim, é sua. Ela imediatamente sentou numa cadeira e colocou os pés na outra e assim ficou até o homem desistir!

Em 2009 aconteceu um caso que saiu em todos os jornais de Israel e até no Brasil. Conta a notícia que uma mulher comprou um colchão novo de surpresa para sua mãe e descartou o velho. Quando a mãe chegou quase teve um enfarte. Ela havia escondido as economias de toda sua vida no colchão. Apesar de toda a publicidade e procura por vários dias o dinheiro e o colchão nunca foram recuperados. Aquele que pegou provavelmente nunca soube que estava dormindo em cima de milhares de dólares.

Fotos: Revista Bras.il

One thought on “Minha casa é um lixo

  • Zeev Moscavitch

    OI, com todo respeito em relação a cultura, tudo isso é por causa do dinheiro que é muiti barato, digamios assim !
    Descartar , moveis, eletrodomesticos, utensilios de cozinha, panelas e etc em otimo ou excelente estado é porque comprar um novo, sai muito barato e, é dificilimo encontrar alguma oficina para reparo de algum movel ou eletrodomestico (televisões tem aos montes, trocar uma de 50 polegadas por uma de 60 polegadas é muitissimo comum), mas consertar algum eletrodomestrico ou algo domestico, para que se comprar um novo e mais moderno custa nada !
    Aí, ficam fazendo manifestações por que o Banco de Israel subiu o juro em 0,05% e a parcela da TV ou seja lá o que for, vai ficar mais cara 10 shekalim !
    Tenho dito, Boa Noite !

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