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Primos

Por Nelson Menda

Algumas das melhores recordações da infância e adolescência estão diretamente relacionadas ao convívio com amigos e primos. Tive a sorte de poder contar com uma penca de ambos, com os quais me correspondo até os dias atuais, graças à Internet, essa fantástica ferramenta que veio, em boa hora, revolucionar por completo o universo das comunicações.

No presente texto, todavia, vou abordar a história de dois primos que nunca se encontraram, apesar de umbilicalmente ligados, tanto pela herança genética quanto o talento artístico. Refiro-me a Swika e Jacob, dois expoentes da criação e interpretação musical, respectivamente em Israel e Brasil.

Ambos, apesar de não terem se conhecido pessoalmente, descendem de uma tradicional família de músicos judeus com origem em Breslau/Wroclaw, Polônia. Suas trajetórias, mesmo tendo seguido por trilhas geograficamente distantes, desembocaram na mesma foz, a do sucesso.

Os ancestrais de Swika Pick conseguiram escapar a tempo – e com vida – da Polônia, radicando-se em Eretz Israel. O inegável talento para a criação e execução artística reservou-lhe um lugar de destaque no panorama musical, onde chegou a conquistar o primeiro lugar no prestigiado Eurovision de 1998, com a canção Diva.

Já o primo brasileiro, filho de uma polaca, como eram denominadas as profissionais do sexo que migraram – ou foram trazidas, mediante falsas promessas de casamento – para a Argentina, Brasil e Estados Unidos, também tinha no DNA o gene da criação e interpretação musical. Jacob Pick Bittencourt, popularmente conhecido como Jacob do Bandolim, destacou-se como compositor e intérprete do brasileiríssimo choro.

Tive a oportunidade de conhecer e entrevistar sua filha, Elena, já falecida, tornando-me, ao mesmo tempo, amigo e desafeto, quando ousei pesquisar e desvendar um segredo guardado a sete chaves, o de seu pai ser filho de uma mulher discriminada pela sociedade. Para mim, esse fato deveria enaltecer – e não ofuscar – seu mérito, mas a filha não pensava da mesma maneira.

Ao pesquisar a fundo a vida e a obra de Jacob do Bandolim tive de levantar dados em entrevistas com pessoas que o conheceram, registros de hospitais, sinagogas, cemitérios e até mesmo crematórios. Nessa busca, cheguei a correr risco de vida quando deparei com marginais fortemente armados no Cemitério São Francisco Xavier, no bairro do Caju, no Rio. Por estranho que possa parecer, a segurança daquele local era assegurada por marginais de uma favela próxima, que circulavam de moto entre as sepulturas exibindo, ostensivamente, ameaçadores fuzis. Apesar do susto, não cheguei a ser importunado, porque havia contratado, como guia daquela arriscada e bizarra empreitada, um coveiro, na tentativa de localizar a sepultura da mãe de Jacob do Bandolim, supostamente enterrada no local.

Além do São Francisco Xavier, realizei uma exaustiva busca no Cemitério Israelita do Caju e também no de Inhaúma, onde existiam centenas de sepulturas de polacas e seus familiares. Tudo em vão, pois o próprio Jacob, em vida, havia se encarregado de ir apagando, um a um, os traços que o ligavam à mãe, Sara Rachel Pick. Sua intenção teria sido a de não deixar a menor pegada que o relacionasse ao que lhe parecia ser um passado sombrio e pouco recomendável do comportamento materno.

Jacob, nascido de ventre israelita, possivelmente julgou que, fazendo a primeira comunhão e casando em uma tradicional igreja católica do Rio, estaria liberto da condição de pertencer ao povo judeu. A história frustrou seus planos, pois ele vem sendo cada vez mais identificado como um genial compositor e intérprete, sendo classificado por muitos pesquisadores como um dos três grandes músicos judeus do século vinte.

Ao lado da ancestralidade meio obscura que ele tentou, inutilmente, deletar, sua vida não foi nada fácil. Além de filho de uma mulher estigmatizada pela sociedade, precisou conviver com o fantasma da hemofilia, transmitido ao seu filho varão e também compositor Sérgio Bittencourt. Seu talento demorou a ser reconhecido e, quando chegou o momento de colher os frutos do sucesso, foi abatido, aos 51 anos, por um fulminante infarto do miocárdio, na varanda de sua casa em Jacarepaguá.

Pesquisei sua vida e obra a fundo, contando com o testemunho de pessoas que o conheceram, redigindo um texto bastante fiel à realidade. Tive a precaução de registrar minha pesquisa na Biblioteca Nacional, no Rio, com a intenção de que possa ser utilizada para a produção de filmes, peças teatrais e espetáculos ao vivo ou televisionados. Tenho a plena certeza de que, nas mãos de profissionais do ramo, poderá merecer a mesma projeção internacional que as composições e performances de seu, ao que tudo indica, primo israelense, Swika Pick, continuam alcançando.

Se o leitor tiver curiosidade a esse respeito, recomendo uma busca pela Internet, bastando digitar os nomes Jacob do Bandolim ou Jacob Pick Bittencourt e de Swika Pick. Irão aparecer inúmeras referências às vidas e obras desses grandes artistas que, apesar de parentes, nunca chegaram a se encontrar.

3 thoughts on “Primos

  • Ruth H. Amberger

    A leitura de seus contos, além de alegrar as minhas noitadas petropolitanas, são muito iinstrutivas. Adoro quando chega o dia da publicaçáo

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  • Nelson Menda

    Obrigado, Ruth, por suas palavras gentis. Continue mantendo o isolamento, pois o pior ainda não passou. Abs. Nelson

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  • Vani Medina

    Adorei Nelson!
    Parabéns mais uma vez!
    Abs.

    Resposta

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