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Racismo, antissemitismo. Entendendo o fenômeno (parte 3)

Por Marcos L Susskind

No capítulo anterior, vimos que o antissemitismo, tal como diversos outros fenômenos históricos, sofre mutações através dos tempos. Assim analisamos a primeira forma de racismo contra os judeus que foi o Antissemitismo Sócio Cultural da Babilônia, Gregos Selêucidas. Analisamos ainda a segunda forma, o Antissemitismo Religioso professado pelo paganismo, cristianismo, cruzadas, Islã e Inquisição até o século XV. Antes de analisar próxima forma – a racial – uma necessária passagem de olhos sobre o auge da segunda forma de antissemitismo – o religioso (que infelizmente prossegue em vigor em pleno século XXI, ao lado das duas formas mais recentes de ódio aos judeus).

Os governos na Idade Média, profundamente influenciados pela Igreja, proibiam aos judeus a maior parte das profissões. Eram-lhes permitidas as chamadas profissões indignas: o comércio de peixe (para que o odor causasse asco aos não judeus), o comércio com mercadorias de segunda mão, particularmente roupas usadas e, ainda, aquela que a igreja considerava as formas mais desprezíveis de vida: o empréstimo a juros e a coleta de impostos (sob comissão do Governo). Não é surpresa que o camponês ou o artesão endividado odiassem a quem ele devia. Menos surpreendente é o ódio a quem vinha coletar impostos e buscar formas de aumentar a arrecadação. Assim vai se formando o caldo cultural de ódio aos agiotas e aos coletores de impostos. As autoridades, sensíveis aos ressentimentos populares, exacerbam a perseguição, determinando áreas de confinamento aos judeus – áreas muradas onde judeus habitam e às quais estão confinados desde antes do pôr do sol até a manhã seguinte. Para sair destas áreas (que ainda não se chamam Ghettos), o judeu é obrigado a usar um ridículo chapéu cônico de cerca de 35 cm ou mais para que fosse rapidamente identificado e segregado das conversas com gentios. Era o Judenhut (chapéu judeu). Em algumas comunidades era adicionado ou substituído por uma fita amarela atada à roupa (origem da estrela amarela, posteriormente introduzida pelo regime nazista).

A coleta de impostos e a exclusividade do empréstimo a juros era uma forma de envergonhar os judeus porém os enriqueceu. Isto gerou ódio e expulsões na França, Áustria, Alemanha além de Espanha e Portugal. A expulsão era excelente para o Reino, pois gerava entusiasmo na população e, ao mesmo tempo, ajudava as combalidas finanças nacionais, que eram devedoras dos judeus – que financiavam a corte e seus luxos.

Mas houve uma grande exceção: a Polônia, que deu liberdade de culto e cidadania a judeus em 1214, gerando um grande fluxo migratório para uma ansiada independência e aceitação. Este mesmo país se tornaria o país com a maior comunidade judaica da Europa e o solo para o extermínio da maior parte dos 6.000.000 de judeus mortos na II Guerra.

Não foi difícil transformar o ódio contra os credores em ódio contra a religião Judaica.

A inquisição, inicialmente, foi um movimento do Vaticano que nomeou os frades dominicanos para “inquirir e corrigir os rumos dos cristãos que se desviavam de seu caminho” na França – ou seja, atuar contra cristãos franceses cathares e waldensianos. Não demorou muito e os dominicanos passaram a pregar, cada vez mais veementemente, o ódio aos judeus. A ordem dominicana se transforma em caldeirão de ódio contra os judeus e seus frades são os que criarão e difundirão muitas das mentiras que permeiam até hoje – envenenamento de poços, uso de sangue cristão em rituais e outros.

Em 1474 um frade dominicano, Thomás de Torquemada, torna-se confessor e mentor de Isabel de Castela. Ela se casa em 1478 com Fernando de Aragão e os reinos de Castela e Aragão se unem – Torquemada torna-se a eminência parda do Reino e, graças a sua posição especial, consegue que o Papa Sixto IV o nomeie Inquisidor Geral na Espanha. Começa aí um período de perseguições, conversões forçadas, isolamento, torturas, denúncias, morte na fogueira e finalmente a expulsão da Espanha em 1492 e, mais tarde também de Portugal. A permissão de casamento do Rei D. Manuel de Portugal com a filha de Fernando e Isabel foi condicionada por Isabel à extensão da Inquisição a Portugal. Em 1516, Portugal também ordena a expulsão dos Judeus e o confisco de seus bens.

O início do Século XVI é também o auge das navegações e navios necessitam de eixos. Uma das maiores áreas de forjaria para eixos de navios se estabelece em Veneza que floresce. Os Judeus veem uma oportunidade de se estabelecer e há um razoável fluxo de judeus para Veneza. A forjaria cresce e a área das forjas antigas é abandonada. Em 1516 as autoridades vênetas (de Veneza = vêneta) determinam que judeus só podem viver na área da forjaria abandonada. A palavra forjaria em vêneto é geto (pronuncia: DJETO). O som DJE não existia em alemão, língua da maioria dos judeus em Veneza, provenientes da Alemanha, Áustria e Tchecoslováquia. O DJE foi alterado para GUE e assim forma-se a palavra Gueto, para designar o local onde moram judeus. O termo permanece até nossos dias. Tal como na Espanha, as portas do Gueto eram fechadas às 18 horas e reabertas no dia seguinte às 12. Barcos patrulhavam o entorno para garantir que judeus não abandonassem o Gueto. De forma humilhante, cabia aos judeus o pagamento do salário destes guardas!

A invenção da imprensa ajuda a divulgar o ódio. Já em 1596 circula um impresso mostrando o manifesto de Lutero na porta da igreja (1543) com uma reprodução do Judensau. Aliás, Lutero pregava na Igreja de Wittenberg, a Stadtkirche, que contém um Judensau de 1305, em sua fachada. O Judensau é uma estátua de uma porca que alimenta crianças judias enquanto o rabino come seus excrementos. Desde 1305 era colocada na parte frontal externa de inúmeras igrejas europeias para gerar escárnio e ódio a judeus. Os nazistas costumeiramente faziam excursões para crianças escolares visitarem igrejas onde a estátua Judensau pudesse ser vista e desprezada. Aparentemente o uso da estátua Judensau seguiu popular nas igrejas do norte europeu construídas até o início da I Guerra Mundial, em 1914.

Em 1807 Napoleão dá plenos direitos aos judeus. A Igreja Ortodoxa Russa se insurge contra isto e chama Napoleão de “Anti Cristo e Inimigo de D-us”. No século XVIII e XIX, a Rússia e região foram alvos de constantes pogroms (matança brutal de judeus). O pogrom se caracteriza por massacre dos homens judeus, estupro das mulheres e saques de suas casas e comércio.

A situação atingiu o seu recorde na Ucrânia pós Revolução Russa de 1917. 1376 pogroms ocorreram só na Ucrânia entre 1918 e 1920. 500.000 judeus perderam suas posses, 70.000 foram mortos. Isto equivale à quase totalidade dos judeus que vivem hoje no Brasil!

Terceira etapa: antissemitismo racial – potências europeias e o nazismo

A discriminação baseada em raças surge como consequência da independência das nações no continente americano. Os líderes europeus perdem as colônias no Novo Mundo e precisavam de argumentos para justificar a ocupação de outras regiões. Surge assim o argumento que os brancos são superiores a outras raças que vai embasar o “direito” de ocupar áreas “não brancas”, habitadas por raças “pouco civilizadas”. Assim Bélgica, Alemanha, Portugal, Inglaterra, Itália, França e outros passam a dominar amplas regiões africanas que se transformam em fontes garantidas de matérias-primas, bem como mercados garantidos e lucrativos. Assim, a principal motivação para esta nova forma de racismo era, mais uma vez, econômica.

É neste contexto que surge o antissemitismo racial, definindo os judeus como de raça semita, negando o fato de que existem judeus brancos, negros e asiáticos.

Esta nova forma de antissemitismo é talvez a mais cruel, pois ainda que mudassem sua religião e se convertessem a outra, os judeus não poderiam mudar sua raça.

O uso da ideia de superioridade racial branca permeia na política. Utilizando o antissemitismo, Karl Lueger culpava os judeus pelo fraco desempenho da economia. Assim atraiu votos suficientes para se eleger Prefeito de Viena, na Áustria, em 1888. Lueger foi Prefeito de Viena continuamente de 1888 até 1910 e era considerado um herói por um jovem de nome Adolf Hitler, nascido na Áustria em 1889. As ideias de Hitler, incluindo sua visão sobre os judeus, foram moldadas durante os anos que viveu em Viena, onde aprendeu as táticas de Lueger e leu os panfletos e jornais antissemitas que se multiplicaram durante o longo período em que ele foi Prefeito.

Um importante reforço para o ódio aos judeus se dá pela mentira de uma “conspiração” descrita no fantasioso livro Os Protocolos dos Sábios de Sião. O livro fala numa conspiração judaica para dominar o mundo. Forjaram-se documentos como atas de uma reunião de líderes judeus de todo o mundo. Estes “traçavam planos para dominar o mundo”. Como fariam? O livro diz que judeus formaram instituições e organizações secretas com o objetivo de controlar e manipular partidos políticos, a economia, a imprensa e a opinião pública mundial. Nas décadas de 1920 e 1930, os Protocolos foram usados pelo Partido Nazista para obter apoio à sua política e ideologia antissemitas.

Incrivelmente, apesar de centenas de estudos mostrando tratar-se de um livro apócrifo, escrito por autoridades russas, ainda hoje há quem dê crédito às mentiras e ideias estapafúrdias deste livro.

O auge do antissemitismo racial vem com o nazismo, ao estabelecer as Leis de Nuremberg em 1935: destitui a cidadania de qualquer judeu ou descendente mesmo os convertidos há gerações, perdem todos os direitos, proibição de casamento ou confraternização com arianos, expulsão das escolas e Universidades, despojamento de títulos e proibição de serviço público entre outros.

O expansionismo nazista gera a II Guerra Mundial. O plano chamado de “Solução Final”. Em 31 de Julho de 1941 Hermann Göring enviou uma carta a Reinhard Heydrich a pedido de Hitler. Nesta carta fica determinado que Heydrich deveria elaborar um amplo plano com as  indicações de meios materiais e organizacionais necessários para implementar uma “solução final para a questão judaica”, a eliminação total de todos os judeus no mundo. Posto em prática a partir de 15/08/1941, um de cada três judeus vivos foi exterminado.

Assim, em 1941 pôs-se em marcha o que Hitler declarou em 1922. Ao ser perguntado pelo Jornalista Josef Hell o que ele faria com total liberdade de ação contra os judeus, Hitler respondeu: “Quando estiver realmente no poder, a destruição dos judeus será minha primeira e mais importante tarefa”. E acrescentou que levantaria forças em todo o mundo até que o último judeu fosse exterminado.

O resultado foi nada menos de 6.000.000 de judeus exterminados através de fuzilamentos, enforcamentos, fome e principalmente, matanças em massa em câmaras de gás. 6.000.000 dos 9.500.000 judeus europeus perderam suas vidas, suas escolas e academias, seus hospitais e organizações sociais, suas propriedades e sua história.

Imagem: Festa da Páscoa – 1464-67 – Óleo sobre tela – Sint-Pieterskerk

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