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Uma escolha difícil

Por Nelson Menda

Uma das decisões mais difíceis de tomar, na minha opinião, foi a escolha da carreira profissional. No meu caso e de grande parte dos amigos da mesma idade, essa encruzilhada ocorria quando estávamos na faixa dos 16, 17 anos. Ou seja, quando não tínhamos a menor noção a respeito do mundo real, da própria vida e do que nos aguardaria pelos anos vindouros. Havia uma certa ansiedade tanto no âmbito pessoal quanto familiar pela escolha da carreira a seguir. Não sei se o fato de fazer parte de uma família de imigrantes criava a necessidade de escolher uma profissão, de procurar alcançar a independência financeira no menor prazo possível.

Para o pessoal da minha faixa etária e fazendo parte da primeira geração de brasileiros, não havia muitas escolhas além das três opções clássicas: medicina, engenharia e direito. Quem era bom em cálculos deveria optar pela engenharia. Já os que tinham memória privilegiada para fixar nomes, conceitos e leis, o caminho natural seria um vestibular para cursar direito. Para medicina deveriam ir os que gostavam de conhecer e tratar doenças e doentes. É preciso fazer uma exceção para os que pertenciam a famílias de comerciantes, considerados menos capacitados do que os que se preparavam para os três vestibulares das profissões “nobres”.

A geração que nos antecedeu, essa sim, foi de um pioneirismo e uma coragem ímpares. No caso de Porto Alegre, minha cidade natal, tinham aberto os melhores estabelecimentos comerciais, localizados no trecho da mais importante rua de negócios da cidade. Tão importante que possuía até nome e apelido: Andradas, mais conhecida como Rua da Praia.

Para nós, privilegiados por termos estudado nas melhores escolas, estávamos destinados a cursar uma faculdade e ostentar, para o resto da vida, um anel de grau com uma pedra colorida. Para os médicos, uma pedra na cor verde, para os advogados, na cor vermelha, para os engenheiros, sinceramente, não me recordo.

Por pura ignorância e preconceito quanto às atividades relacionadas ao comércio, havia um enorme desprezo para aquelas pessoas que se dedicavam às atividades mercantis, como se fizessem parte de uma categoria menos dotada intelectualmente. Assim, os melhores estabelecimentos comerciais da cidade foram, pouco a pouco, sendo fechados e vendidos. Seria tão bom se pudéssemos engatar a marcha ré e voltarmos no tempo, para uma correção de rota. Uma das poucas famílias da coletividade sefaradi que teve a ousadia de estimular seus descendentes a se dedicar ao comércio é hoje proprietária de uma grande rede de lojas.

Voltando ao tema das faculdades, as melhores eram as públicas, gratuitas e para ingressar em uma delas seria necessário ultrapassar o funil do vestibular, onde o número de candidatos era bastante superior ao de vagas. Havia a crença de que, uma vez aprovado no vestibular, o futuro do candidato estaria garantido. Pouca gente, todavia, conseguia se preparar por conta própria para superar a barreira do vestibular. Os que faziam parte, como eu, de uma família de classe média, podiam contar com o apoio financeiro dos pais para estudar em um “cursinho” particular que os habilitariam a ser aprovados a ingressar em uma sonhada universidade pública, portanto, gratuita.

Uma das possíveis alternativas seria seguir a mesma carreira dos pais, o que significava encurtar o caminho para o êxito profissional. No meu caso, em que meu pai era formado em ciências contábeis e possuía um conceituado escritório com ampla clientela na “Leal e Valerosa Porto Alegre”, uma das opções seria exercer a mesma profissão, fórmula simples de garantir o sucesso. Cheguei a conversar a esse respeito com ele, que já estava bastante enfermo e veio a falecer no ano seguinte mas que, naquela ocasião era um dos assuntos tabus, que não deveriam ser mencionados “para as crianças”.

Meu pai me desencorajou a seguir a mesma profissão que, segundo ele, era muito trabalhosa e mal remunerada. Como se a medicina também não fosse trabalhosa. Eu estava bem preparado e consegui passar na primeira tentativa. Muitos conhecidos prestavam exame uma, duas ou mais vezes e um dos meus amigos chegou a tentar sete vezes, sem conseguir ser aprovado. De tanto estudar para o vestibular, decidiu abrir um cursinho, onde foi muito bem sucedido financeiramente, mas continuou frustrado por não ter sido aprovado naquela que seria – ou teria sido – a realização do seu sonho. Muitas vezes deixamos de enxergar a realidade, talvez por estar, ao mesmo tempo, tão próxima e tão distante.

Para concluir, gostaria de mencionar a história de dois parentes próximos que não tiveram oportunidade de estudar, pois precisavam trabalhar para se sustentar. Ficaram ricos, muito ricos. Eu falei ricos, mas na verdade deveria ter mencionado a palavra exata, pois eles ficaram bilionários ou trilionários. Não gostaria de desestimular nenhum leitor ou leitora a parar de estudar, mas sim tentar enxergar a realidade e não desperdiçar as boas oportunidades que surgem no decorrer de nossas vidas. Posso me considerar bem sucedido profissionalmente.

Quando me transferi para os Estados Unidos poderia ter tentado revalidar meu diploma de médico e exercer a profissão por aqui. Refleti bastante e cheguei à conclusão de que não teria valido a pena. Minhas duas filhas estudaram no Brasil e também nos Estados Unidos. Ambas são graduadas e muito bem sucedidas profissionalmente. Talvez hoje, passados tantos anos, tenha chegado à conclusão de deveria teria seguido uma carreira profissional distinta, mas reconheço que passou da hora de fazer mudanças. Já cansei de me mudar. Chegou o momento de, como se diz popularmente, “sossegar o facho”.

Foto: FORTEPAN / Semmelweis Egyetem Levéltára, CC BY-SA 3.0 (Wikimedia Commons)

6 thoughts on “Uma escolha difícil

  • Edson Cerqueira Garcia de Freitas

    Que bom Nelson, que você virou um medico ortopedista. Só assim pude conhecê-lo e tê-lo na minha galeria de ídolos.

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  • Feliciano Mesquita

    Nelson, fiquei muito feliz em receber sua mensagem. Você tinha sumido, cara, e cheguei a pensar que havia esquecido de meu endereço!
    Não acredito que uma pessoa siga uma profissão errada. O destino não permitiria. O que pode acontecer é a pessoa não fazer nada ou se tornar um mal profissional por conta de seu livre arbítrio. Você sempre exerceu a ortopedia com ética e maestria. Você é um caso de sucesso!
    Vê se não desaparece!

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  • Feliciano Mesquita

    O anel de formatura do engenheiro tinha uma pedra azul. Eu nunca aceitei usar anel por considerá-lo totalmente dispensável. Uma hostentação sem justificativa.
    Não associo êxito na profissão com dinheiro. Êxito é fazer aquilo que dá prazer e realização pessoal. Fui muito feliz na minha profissão como engenheiro eletrônoco.Me sinto plenamente realizado.

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  • NELSON MENDA

    Graças ao Blog voltei a receber mensagens de dois grandes amigos: Feliciano Mesquita, vizinho da Demétrio Ribeiro, Porto Alegre e Edson Garcia de Freitas, ortopedista carioca. Aproveito para informá-los que estou residindo em Indian Harbor Beach, Flórida e enviar um forte abraço aos dois.

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  • Vani Medina

    Olá que bom saber de você, grande amigo Nelson…
    Estou segura que o teu sucesso profissional se deve a tua vocação e também a dedicação que dispensastes a tua vida profissional…
    Abraços…

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  • Eliana Benitáh

    Parabéns pelo artigo. Muito bem escrito como sempre!!!

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