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Vivendo e aprendendo

Por Nelson Menda

A vida é um eterno aprendizado e uma das vantagens para os longevos é poder acumular experiências e aprimorar a percepção sobre a realidade dos fatos. Infelizmente nem todo mundo sabe tirar proveito dessas lições que a própria existência nos oferece e continua falando e fazendo besteiras dia após dia. “Errar é humano” e no meu saudoso Rio Grande do Sul esse provérbio costumava ser acompanhado por um adendo, fruto da mais pura sabedoria popular: “mas continuar errando é burrice”.

Essa funesta e demorada pandemia, que está custando a ir embora, não trouxe somente mortes, desemprego e uma crise econômica sem precedentes. Promoveu a ascensão de um divisor de águas nunca dantes observado, parafraseando o grande Luiz de Camões. As sociedades estão irremediavelmente divididas entre os que acreditam e os que negam os valores da ciência. Felizmente os componentes do primeiro grupo superam em quantidade e qualidade a legião de desavisados que compõem o segundo. De que adiantou a suposição e posterior comprovação da esfericidade do planeta se surgiu um maluco que passou a divulgar que a terra era plana e um bando de “maria-vai-com-as-outras” a acreditar piamente nessa asneira?

Em 1903 o cientista Oswaldo Cruz divulgou que a Febre Amarela era uma enfermidade transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti e que já se sabia como preveni-la com uma simples vacina, o que deu início a uma campanha de imunização obrigatória. A população, instigada por falsas lideranças, se revoltou e saiu quebrando tudo o que encontrava pela frente na então capital federal. Foi a tristemente célebre Revolta da Vacina e a campanha de imunização, lançada em 1904, precisou ser interrompida para que os ânimos se acalmassem e o governo não fosse deposto.

Emblemático nesse episódio, que serve para comprovar que as grandes besteiras produzem filhotes, foi a participação decisiva, nessa triste passagem da nossa história, do Tenente Coronel Lauro Sodré, líder no Senado Federal e do Major Barbosa Lima, na Câmara de Deputados, ferrenhos opositores da vacinação. O saldo da Revolta da Vacina foi trágico: 954 presos, 30 mortos, 110 feridos, 461 deportados para o Acre, além de incalculáveis prejuízos materiais, como a destruição de grande parte dos lampiões de gás da cidade, o que acabou prejudicando seus próprios moradores.

Ainda não se conhece o número de vítimas fatais da Covid 19, mas a realidade é que já se sabe que esse quadro poderia ter sido evitado, com medidas sanitárias que já se conheciam desde os tempos de Oswaldo Cruz, há mais de um século. Depois de contabilizados os mortos e feridos dessa verdadeira guerra entre a ciência e o achismo, é possível que o bom senso volte a reinar em Pindorama, como já está acontecendo aqui na terra de Tio Sam.

Os Estados Unidos da América do Norte, ao contrário dos Estados Unidos do Brasil, se prepararam para o enfrentamento da Pandemia, apesar de, paradoxalmente, seu antigo mandatário fazer parte da corrente anti-vacina, que ele próprio ajudou a difundir, na base do palpite furado de que elas seriam responsáveis pelos casos de autismo entre crianças. O criador dessa falácia, apesar de também ter embarcado na canoa furada da Cloroquina e ter sugerido a aplicação de inseticida nos contaminados pelo vírus da Covid 19, de bobo não tinha nada. Ao contrário, sempre foi bastante esperto, pois não perdeu tempo e encomendou grandes quantidades de vacinas, ainda em fase de testes, para garantir, just-in-case, que a população de seu país pudesse contar com esse recurso caso eles comprovassem sua eficácia.

Juracy Magalhães, político baiano falecido em 2001 e que foi Embaixador do Brasil em Washington, cunhou uma frase infeliz que acabou passando para a história por seu sentido dúbio: “O que é bom para os Estados Unidos também é bom para o Brasil”. Oxalá os atuais mandatários de Pindorama, fãs de carteirinha e do boné de Trump, tivessem seguido essa máxima e a realidade atual no Brasil seria completamente distinta.

Como o país de Tio Sam se chama, com propriedade, Estados Unidos da América, cada estado, por aqui, teve liberdade para organizar seu próprio programa de vacinação. Se, na Flórida, a prioridade foram os idosos e os profissionais de saúde da linha de frente, aqui no Oregon, em parceria com o vizinho Washington State – não confundir com Washington DC, na costa do Atlântico – os primeiros a serem imunizados foram os idosos internados em casas de repouso e os profissionais da saúde. Assim, minha caçula, farmacêutica, que lida cara-a-cara com enfermos, fez parte do grupo que recebeu a primeira dose da vacina da Pfizer e já aplicou a segunda.

Minha vez de receber a primeira dose dessa mesma vacina aconteceu há alguns dias, pois apesar de já estar com 78 bem vividos anos, milhares de outros candidatos, bem mais idosos, deveriam ser imunizados antes. As vacinas disponíveis eram as da Pfizer e da Moderna e não se sabia, de antemão, qual das duas seria aplicada. Como está fazendo frio, optei por receber a picada sem precisar descer do carro, apenas baixando o vidro. Me surpreendi com a imensa fila de automóveis conduzindo idosos que ansiavam em ser vacinados, o que exigiu a utilização do amplo estacionamento do aeroporto de Portland, de prefixo PDX. Outra boa surpresa foi verificar que, após a imunização, cada veículo deveria permanecer, com os recém vacinados, durante pelo menos 15 minutos, em um local próximo, precaução extra para prevenir possíveis intercorrências e reações. Que, felizmente, não aconteceram, pelo menos que eu tenha observado. Caso tivessem ocorrido, seriam socorridos de imediato por equipes de plantão. Na saída, recebi um cartão com o dia e a hora em que devo receber a segunda e última dose, no final de março.

Felizardas são aquelas pessoas que já estão recebendo o imunizante da Johnson, em uma única aplicação. Com essa campanha, levada a cabo em todo o país, estão sendo vacinadas nada menos de dois milhões de pessoas por dia, inclusive aos domingos e feriados. E qual está sendo o saldo dessa verdadeira maratona em prol da vida? Pura e simplesmente que o número de infectados e de óbitos pela Covid 19 vem despencando a olhos vistos. Ao contrário de um certo país da América do Sul em que os números de infectados e falecidos não param de aumentar.

Resta saber o que terraplanistas, negacionistas e outros malucos de ocasião vão inventar agora para enfiar goela abaixo dos paspalhos que acreditam em qualquer lorota que escutam. Será que, depois dessa experiência, vão abrir os olhos e conseguir enxergar, pelo menos uma vez na vida, a realidade dos fatos?

Foto OHSU (Divulgação). Residentes com 80 anos ou mais tiveram suas primeiras vacinas no Oregon Convention Center, 10 de fevereiro de 2021.

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