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Decadência, esfacelamento, ruína – O triste destino de uma cidade e um país

Por Marcos L Susskind

Ela era mencionada por quarenta e um adjetivos diferentes: charmosa, glamorosa, cativante, tentadora, deslumbrante, fascinante, encantadora, ofuscante, sedutora, sensual, arrebatadora. Suprimo os demais por falta de espaço…

Ela falava francês. Sua principal livraria era a Antoine. Os restaurantes finos tinham seus cardápios apenas em francês. Seu principal jornal era o L’Orient Le Jour e a Universidade mais conceituada era a Université Saint Joseph. O bistrô Goutons Voir servia “salade Nice-Beyrouth”; a La Ferme St. Jacques produzia o verdadeiro foie gras e as mulheres elegantes se encontravam no Magasin Domaine des Tourelles.

Talvez você pense que estou descrevendo Paris, mas se engana. A descrição é de uma pequena Paris, que vai decaindo exatamente como a Cidade Luz, a Paris da França, tomada por islâmicos cada vez mais radicais. A descrição acima é do Líbano em geral e de Beirute em particular, a outrora cidade mais ocidentalizada do Oriente Médio.

Tudo começou a mudar rápida e radicalmente em Setembro de 1970, quando a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), liderada por Yasser Arafat tentou derrubar o Rei Hussein e tomar o poder na Jordânia. Numa reação rápida, sangrenta e violenta, a Jordânia expulsou as organizações terroristas palestinas de seu território e um acordo mediado pela Liga Árabe transferiu estes movimentos para o Líbano.

A chegada dos grupos terroristas ao Líbano leva a reagrupamento de forças. O Líbano começa seu longo caminho de decadência. O Movimento Nacional Libanês se une à OLP, a grupos de esquerda e grupos islâmicos e passam a disputar o poder com os cristãos libaneses, que até então eram a força dominante no calmo e progressista Líbano. Rapidamente eclode uma guerra civil – a mais longa guerra civil na história do Oriente Médio, de 1970 a 1985. A Síria envia tropas que ajudam os islâmicos a enfrentarem os cristãos. Após 15 anos de guerras, matanças, destruição e esgarçamento do tecido social Libanês, os terroristas da OLP e da FPLP são expulsos, dirigindo-se à Tunísia.

O ano de 1982 marca a criação de mais uma organização terrorista – o Hezbollah, apoiado e financiado pelo Irã. O Líbano, até então sob as botas do invasor sírio passa a se deparar com uma nova ameaça que – em poucos anos – se torna a força dominante na política, na economia e principalmente na área militar, muito mais forte e armado que o exército libanês. A política libanesa, dominada por forças corruptas, vê a ruptura entre cristãos maronitas, Muçulmanos xiitas e muçulmanos sunitas que agrava qualquer tentativa de reorganização do país.

Beirute se torna alvo de terrorismo constante – tal como sua inspiradora Paris. Se em Paris terroristas explodiam e mataram no Teatro Bataclan, no Estade de France, no Boulevard Voltaire, Bar La Bonne Biere, Jornal Charles Hebdo, nada é diferente em Beirute. O governo norte-americano desaconselha seus cidadãos a visitar o Líbano por causa da onda de crime, terrorismo, conflitos armados e agitação civil.

Nos últimos nove meses a libra libanesa perdeu 80% de seu valor, o dólar no câmbio negro vale 400% acima da cotação oficial. Os bancos limitam os valores a serem retirados das contas, os preços dispararam, centenas de negócios fecharam. As classes mais abastadas e as pessoas com maior preparo estão deixando o país, levando consigo seus bens e fechando suas empresas, o que agrava o desemprego e a crise. A fome já é uma triste realidade para parcelas crescentes da população, começando a atingir a outrora pujante classe média. A alta porcentagem de refugiados é mais um fator no empobrecimento do Líbano. Sua imensa fronteira com a Síria atraiu cerca de 1.500.000 de refugiados miseráveis da Guerra Civil na Síria. Outros 300.000 palestinos vivem no Líbano. As leis locais, que não lhes permitem propriedade, cidadania ou trabalho, os tornam dependentes de serviços públicos que entraram em colapso.

O Líbano tem imensa fronteira com a Síria. A Guerra Civil que segue há 10 anos torna a Síria “carta fora do baralho” para quem quer fugir do Líbano em deterioração. A Oeste, o mar e o alto custo de transporte é outro impeditivo à migração. Sobra tão somente a curta fronteira ao sul, de 79 km com Israel, ao longo da qual se postam as forças do Hezbollah. Sendo esta a única esperança, há o temor de tentativas de massas famintas cruzarem a fronteira em busca de condições dignas em Israel.

Israel apresenta uma série de novos desafios, o mais grave no momento é a pandemia do Covid-19 que gerou desemprego, agravou as tensões sociais e políticas. O controle da fronteira libanesa é primordial tanto do ponto de vista econômico como de segurança já que não seria improvável que forças terroristas tentem incluir membros de suas milícias entre os que buscam refúgio.

A grande ironia é que Beirute deixou de ser Paris e, infelizmente, Paris vai se transformando numa Beirute com o terror, a islamização e o crime dominando suas ruas.

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