BlogsMary Kirschbaum

O amor nos tempos do Tinder

Por Mary Kirschbaum

Todos assistindo assustados “Tinder swindler” (O Golpista do Tinder), na Netflix, e ainda por cima, este tal de Shimon Hayut (que se passava por um magnata russo para impressionar mulheres no app de namoro Tinder), é israelense!

Muitos estão por fora, talvez alguns ainda se mantenham na velha guarda. Mas a maioria de nós já esteve envolvido, ou achou que seria uma “boa” ideia, a procura de um “relacionamento” no Tinder, ou em algum dos muitos outros aplicativos que existem para este fim.

Então, que fenômeno é este que presenciamos atualmente?

Vivenciamos, segundo Bauman, uma era de “amor líquido”. Nossa sociedade hoje é marcada pela efemeridade, descarte e fluidez. E os relacionamentos passaram a ser afetados por todos estes predicados.

O amor é líquido, os relacionamentos são virtuais. Os vínculos são afrouxados, para poder ser desfeitos rapidamente.

Compreende-se que o conceito de amor é um processo construído ao longo do tempo, a partir de um conceito social, histórico, religioso, cultural, econômico e político.

O que vamos verificando na nossa atualidade é o estabelecimento de um prazo pré-determinado para o relacionamento. Com o medo de se ferir, pois o amor tanto pode ser fruto de felicidade ou de profundo sofrimento, estes relacionamentos líquidos acabam sendo marcados por encontros de sexo casuais, que recebem a denominação de “fazer amor”…

Será?

Segundo Rand, romancista, musa do movimento chamado de liberalismo ou objetivismo, o amor nada mais é do que uma transação como outra qualquer, onde ao invés de enxergá-lo com uma visão altruísta, encarando-o como doação, renúncia, algo que estaria acima dos interesses pessoais ou mesmo como ferramenta de perpetuação da espécie, Rand contrapõe com a noção de que o ser humano é essencialmente egoísta e solitário, e que deve fazer todo o possível para atingir a felicidade pessoal, independente de qualquer outra variável, incluindo a consideração da existência de um “outro”.

Esta ideia é totalmente objetificante das relações humanas; vemos aí uma noção de que as relações amorosas são contratos, com um objetivo específico a se cumprir e que caso não ocorra, pode ser imediatamente desfeito. Uma relação comercial: “Nos consumimos uns aos outros da mesma forma precária e volátil que consumimos bens e serviços. O relacionamento amoroso, então, passa a ser uma mercadoria a ser consumida. O compromisso é válido até que a satisfação desapareça ou caia abaixo de um padrão aceitável e nem um instante a mais” (Bauman, 2004).

Obviamente, não devemos generalizar, mas sim perceber uma tendência, um fenômeno que aparece na contemporaneidade e que chama a nossa atenção.

Porém percebemos também que esta mesma sociedade que cria os aplicativos de relacionamentos e que faz e desfaz contratos num piscar de olhos é aquela em que boa parte das pessoas ainda busca um relacionamento duradouro e significativo, e, em que o ideal de casamento permanece presente no imaginário de boa parte das pessoas.

Mas vemos também um aumento exponencial no número de divórcios e separações, muitos deles acontecidos em questões de semanas!

Ainda assim também presenciamos um número considerável de uniões estáveis e duradouras.

Mesmo observando todos estes fenômenos, é interessante ressaltar, que até os dias atuais, a literatura ainda carrega consigo uma ideia de amor forte, duradouro e capaz de enfrentar todos os males, muito associado com a concepção do amor romântico, que mantinha os relacionamentos em seu mais alto grau de “até que a morte nos separe”, conotando assim, uma união eterna e um amor infinito.

Parafraseando Vinicius de Moraes, o eterno poeta, “Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”. Vemos que, na concepção de amor do século XX, inaugurada pela possibilidade de separação dos cônjuges, o amor pode durar, mas se “apaga”.

Esta frase remete a uma intensidade na vivência do amor romântico, que não será eterno e duradouro, mas sim fiel ao sentimento, enquanto ele durar. Aí vê-se que o que se ama, não é o ser amado, mas antes de tudo, o próprio amor que se sente. Feito o luto pela perda do amor, o amante está pronto a se aventurar novamente no território bravio da conquista.

Concluindo sobre este tema do amor eterno, Bauman ressalta que afinal, a definição romântica do amor como “até que a morte nos separe” está decididamente fora de moda.

A modernidade é líquida, marcada pela constante velocidade, efemeridade e movimento trazendo a seus relacionamentos amorosos a cópia deste padrão. Nada dura e nem é feito pra durar…

O interessante também é que os próprios aplicativos são designados móveis, uma vez que mobilidade é mesmo o cerne da questão. Todos estão em constante movimento, com seus celulares a postos, como uma extensão do próprio corpo e sempre conectados.

É a partir deste contexto que os aplicativos de relacionamento surgem, proporcionando aos sujeitos que, a partir de seus celulares, se conheçam e se relacionem de diversas maneiras com as outras pessoas. Fica difícil às vezes até discernir o mundo “real” do “virtual”…

Vamos então misturando fantasias com realidade, com uma pressa filha da mãe.

Assim caminha a humanidade…

E sai da frente que a fila anda.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo