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A importância dos rituais de despedida

Por Marion Minerbo

Marion – Olá, AnaLisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

AnaLisa – Olá, Marion. Entre outros efeitos devastadores, a pandemia privou as pessoas de poderem se despedir de seus entes queridos. Filhos não podem se despedir de pais que morrem na UTI, familiares e amigos não podem velar o corpo ou ir ao enterro para participar do ritual de despedida. Eu percebo que isto é motivo de grande sofrimento para os que ficam. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?

Marion – A importância dos rituais de passagem é realmente um excelente tema. Em primeiro lugar, eles são sempre coletivos. Então vou falar primeiro da importância da comunidade na nossa vida emocional. Veja a circuncisão (brit), o bar/bat mitzva ou o casamento. Em todos os casos, há uma comunicação entre indivíduo e comunidade.

AnaLisa – Como assim, comunicação?

Marion – Ao fazer o brit, os pais comunicam que o recém-nascido quer fazer parte daquela comunidade; em troca, ele se torna O Fulaninho, agora parte legítima da comunidade. No caso do bar mitzva, a mesma coisa: ao ler a Torá na frente de todos, o futuro novo adulto se compromete a aceitar as regras básicas da comunidade; em troca, ela reconhece seu novo status de adulto com direitos e deveres.

AnaLisa – É como se a comunidade dissesse: “Agora, para nós, você não é mais uma criança, e sim um adulto”. Mas por que fazer parte de uma comunidade é tão importante?

Marion – Vou tentar responder sua pergunta pelo oposto. Um pária é alguém que não faz parte da comunidade. Ele se torna, de certa forma, transparente, invisível, não existe para as pessoas. É o pior sofrimento para um ser humano.

AnaLisa – Ainda não entendo.

Marion – Nós precisamos do olhar dos outros sobre nós para que a gente se sinta existindo, e para que a gente construa nossa identidade, nosso Eu. Cada um de nós faz parte de várias comunidades: família, escola, trabalho, grupos de hobbies, instituições variadas.

AnaLisa – Acho que agora entendi. A comunidade é importante porque ela nos devolve uma imagem de nós que incorporamos na nossa identidade.

Marion – Exatamente. No caso do bar mitzva, o jovem deixa de se ver e de ser visto como criança; ele passa a se ver e a ser visto como adulto. Mexe com um aspecto da identidade.

AnaLisa – OK, entendi a importância da comunidade. Mas, qual a importância do ritual de passagem?

Marion – O ritual de passagem ajuda a fazer cair certas fichas dolorosas, do ponto de vista emocional.

AnaLisa – ???

Marion – Veja só. O ritual de passagem do bar mitzva ajuda os pais a fazerem um luto importante: eles (e também a criança!) precisam aceitar emocionalmente que perderam para sempre seu “filhinho fofo”. Ele cresceu e agora ele vai se tornar cada vez mais autônomo e independente. Isso não é nada fácil, nem óbvio, tanto que existe a divertida figura da mãe judia – que continua tratando um marmanjo de 40 anos como seu “filhinho”!

AnaLisa – Então, se é que entendi, o bar mitzva é um ritual de passagem porque através dele comunidade diz para a família que a criança fofa “morreu”, mas tudo bem porque no seu lugar está nascendo um adulto. Há mesmo um luto a ser feito!

Marion – Há um luto real a ser feito, embora a “perda” da criança seja apenas simbólica. E a comunidade é fundamental: ela dá o seu testemunho, e também dá um suporte emocional para a família.

AnaLisa – Vejo que a gente está se aproximando da minha pergunta, sobre o sofrimento ligado à impossibilidade de se despedir de pessoas queridas perdidas durante a pandemia.

Marion – Exatamente. Aqui também há uma ficha que precisa cair: uma pessoa querida for perdida. Só que aqui foi perdida de verdade. Se o brit indica uma primeira separação (o bebê do corpo da mãe), o bar mitzva uma segunda separação, o casamento uma terceira separação, os rituais ligados ao luto indicam a última e definitiva separação.

AnaLisa – Nossa, nunca tinha pensado assim! E quando isso não é possível, como nesta pandemia?

Marion – Os elementos concretos do ritual ajudam a pessoa a se despedir porque a comunidade a convoca para ser ativa durante o processo. Ela é convidada a ir ao velório, a participar do enterro, a falar o kadish, fazer shivá, visitar o enlutado ou ser visitado, abraçar e ser abraçado.

AnaLisa – Por que ser ativo é tão importante?

Marion – Porque quando ela se despede ativamente – quando fala o kadish junto com todo mundo, como se faz há tantas gerações – ela está aceitando, embora com muita dor, que houve mesmo uma perda. Não pode fazer de conta que não aconteceu. E também está aceitando que para ela, a vida continua. Não pode morrer junto com a pessoa querida.

AnaLisa – Entendo. Acompanhada pela comunidade, ela aceita ativamente suportar a dor envolvida no processo de luto que vem pela frente. Aceita dizer “adeus”.

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