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O poder dos introvertidos em um mundo que não para de falar

Por Beny Rubinstein

Há poucos dilemas que ocuparam mais espaço na minha mente durante as últimas décadas do que a questão da introversão em ambientes de trabalho. Ao longo de 15 anos em uma carreira corporativa dentro de uma empresa extremamente competitiva, tive o privilégio de receber “coaching” de profissionais focados em desenvolvimento de executivos e abordar este tema.

Não resta dúvida de que o mundo está cada vez mais repleto de “ruído”. É sabido que “quem não se comunica, se trumbica” como dizia o saudoso Chacrinha (a quem tive a sorte de conhecer brevemente e quem me pareceu bastante econômico no uso da palavra fora dos palcos). Ao ingressar na Microsoft, ou mesmo em uma classe de 60 alunos de MBA em Wharton – os indivíduos de personalidade “tipo A” (muitas vezes considerados “agressivos” e de temperamento dominante) pareciam ser o “padrão” – além da receita de sucesso (pelo menos no mundo ocidental).

Apesar de eu ser bastante falante em ambientes mais “amigáveis” e descontraídos (o que leva muitos a crerem que sou “extrovertido”), reuniões de negócio envolvendo muitos indivíduos de nível mais sênior – e mesmo a presença de colegas de turma que estudaram em universidades de prestígio como Harvard e que possuem o domínio absoluto do idioma inglês como língua materna – frequentemente me intimidavam. Resultado? Uma sensação de “síndrome do impostor”, perguntando-me frequentemente se eu realmente tinha a capacidade de me sobressair naqueles ambientes de estudo e trabalho de alto nível.

Após anos de coaching e de estudos, encontrei um pouco de tranquilidade e reafirmação no livro intitulado “Quiet: The power of Introverts in a World that Can’t Stop Talking”, de Susan Cain. Susan é a cofundadora de um movimento chamado “Quiet Revolution” (QuietRev.com) e ilustra com precisão a trajetória de uma pessoa “introvertida” em uma sociedade que preza a extroversão (note que a definição de introversão difere de “timidez” e significa que as pessoas com temperamento predominantemente introverso “recarregam suas baterias” sozinhas – e não na presença de outros).

Mas por que isso é especialmente relevante hoje? Por um lado, especialmente nós, imigrantes, precisamos sair de nossa zona de conforto, recriar nossa “network” pessoal e profissional, e compensarmos eventuais gaps de comunicação em idiomas diferentes de nossa língua mãe). Isso inicialmente aparenta ser uma enorme desvantagem – em especial em sociedades como a Israelense, onde o “hutzpah” predomina e poucos têm qualquer tipo de problema em expressar suas opiniões com total convicção e veemência. Será que nós, imigrantes oriundos de uma cultura latina, que dignifica a hierarquia e evita o conflito direto, temos alguma chance de sobrevivermos e vencermos aqui? Será que precisamos nos reinventar completamente?

Antes de respondermos, olhemos por um outro ângulo: primeiramente, como dizia o ditado que eu ouvia em minha infância, “cão que ladra não morde”. Na Microsoft, muitas vezes ficou evidente para mim que os executivos mais sêniores da empresa muitas vezes eram os que ouviam mais e não os que pareciam possuir todas as respostas; eles sabiam exatamente o que (e quando) perguntar. Como disse Mahatma Gandhi, “De uma forma delicada, você pode sacudir o mundo”.

O que isso significa isto de forma concreta? Devemos então sucumbir às nossas fobias, e nos calarmos? Claro que não! Porém como evidenciado na publicação da Harvard Business Review intitulada “What Great Listeners Actually Do” (escrita por Jack Zenger e Joseph Folkman), o mundo carece de indivíduos que são mais do que simples palestrantes e/ou ouvintes.

O significado de ouvir remete ao sentido da audição, é aquilo que o ouvido capta. Já o verbo escutar corresponde ao ato de ouvir com atenção. Ou seja, escutar é entender o que está sendo captado pela audição, mas, além disso, compreender e processar a informação internamente. Como colocou o palestrante Simon Sinek, ouvir é escutar o que foi dito, escutar é ouvir o que não foi dito. Escutar não é apenas ouvir e entender as palavras contidas na pergunta; escutar é também entender por que a pergunta foi feita em primeiro lugar.

Como disse o caro colega Hayim Makabee em seu blog, “os israelenses têm pressa”. Pode-se dizer que o mundo todo anda com muita pressa, ainda que cada um a manifeste de sua maneira devido às diferenças culturais e de valores/prioridades. Competimos diariamente com iPads, podcasts, SMS, Messenger, Signal, WhatsApp e centenas de distrações o dia todo – além de com aqueles colegas que parecem sempre falar um pouquinho mais alto ou se pronunciarem de forma um pouco mais antecipada e/ou assertiva. Todos estão falando, poucos estão ouvindo, mas na realidade muito poucos estão realmente escutando. O mundo padece de uma falta de compreensão mais profunda; limita-se aos “títulos” ou “rótulos”; a paciência e a humildade tornam-se escassas e mesmo pessoas com alta qualificação – incluindo Mestres e Doutores – por vezes se precipitam em ofertar soluções antes de finalizar a análise e a compreensão mais profunda do problema (e ainda mais da raiz do problema). Estamos com pressa de nos pronunciar, e acabamos não ouvindo – e não sendo ouvidos. Os verdadeiros agentes da transformação, aqueles indivíduos que mais se sobresserão – e os profissionais que estarão em maior demanda nos próximos anos – não serão necessariamente aqueles que possuem mais “curtidas” na mídia social ou aqueles que mais frequentemente se pronunciam em reuniões. Os verdadeiros agentes de mudança serão aqueles que dominarão a arte e a ciência de verdadeiramente ouvir, entender, “ler as entrelinhas” e conectar os pontos de forma sucinta, clara, inteligente, objetiva – porém certamente não superficial. Em um mundo polarizado, nem tudo é o que se diz: mas o como se diz. O mundo está clamando que um outro tipo de indivíduo assuma posições de liderança: não através da força, do conflito, da competição por atenção, por fazerem suas vozes serem ouvidas: mas por serem bons ouvintes. De acordo com Aristóteles, uma pessoa precisa de três coisas para ser convincente. Inicialmente, a pessoa precisa ter “ethos,” que é a credibilidade da sua personalidade. Daí, a pessoa precisa ter o que Aristóteles chamava de “logos,” ou seja, uma estrutura lógica para o argumento (no mundo dos negócios, isso pode ser representado por dados ou qualquer outra evidência que apoie e suporte o argumento). O último e possivelmente mais importante elemento é o “pathos,” que é o apelo emocional do argumento. Tudo sobre a natureza humana – em quem votamos, como votamos, como investimos, o que comemos — é baseado em nosso estado emocional e como nos sentimos sobre isso. A parashá da Torah Emor, Leviticus 21:1 – 24:24 ilustra esse ponto.

“Wise men speak because they have something to say;
Fools because they have to say something”.
Platão (filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga)

Ao escrever este blog, fico feliz em constatar que líderes em seleção e formação de líderes como a Egon Zehnder publicaram recentemente um blog intitulado “O Poder dos Relacionamentos: Os líderes de hoje precisam de novas habilidades – inclusive de algumas que exigem que saiam de trás de sua mesa”. Mas calma! Isso não significa voltar para trás de sua mesa, escondendo-se do mundo e impossibilitando que sua voz seja ouvida a menos de um milagre (o tempo das “manot” caindo do céu já passou!). O que isso significa é que a qualidade e a profundidade valem mais do que a quantidade e a superficialidade. Utilize seu potencial de introversão para entender questões mais a fundo, pesquisar, analisar, empatizar e sintetizar. Mapeie o ambiente, a situação, o problema – e suas desconexões. O famoso discurso de Steve Jobs na formatura da Universidade de Stanford estimulava os alunos a “conectarem os pontos”. Pessoalmente, sinto que esta seja a maior oportunidade que tenhamos, quer seja no Brasil ou em Israel: conectar os pontos. Há muita oportunidade. Muita informação. Muita falta de um entendimento mais real e profundo, incluindo várias perspectivas. Muita falta de coordenação. As soluções mais engenhosas e criativas virão de bons ouvintes, pois só eles (ou elas) conseguirão de fato enxergar além da superfície e compreender os elementos que estão por trás das desconexões. É impressionante a quantidade de gente “protestando” e postulando hoje: vejo muitos falando, fazendo barulho. Durante a pandemia vimos uma emersão de “especialistas” em epidemiologia, em conflitos do Oriente Médio… Surpreendentemente (ou não) a maioria não possui o conhecimento profundo da causa e/ou a experiência, mas têm opiniões fortes (e que são “ouvidas” por uma sociedade superficial. O ser humano é biologicamente “programado” para ser preguiçoso, conforme estudo realizado por pesquisadores da Universidade Simon Fraser, no Canadá.

Mas por que estes que tanto êxito têm em fazer barulho não parecem obter resultados significativos? Simples. Ninguém está realmente ouvindo. Há muito barulho. Muita pressa. Pouca compreensão. Quase nenhum resultado.

Então quem fará a diferença? Eis a oportunidade para os que combinam o “para bom entendedor, meia palavra basta” com as atitudes mágicas: proatividade, resiliência, empatia, profundidade e comunicação efetiva.

14 thoughts on “O poder dos introvertidos em um mundo que não para de falar

  • Andrea Bagdadi Benoliel

    Obrigada por compartilhar sua experiência tão rica e ligar tantos pontos. Os níveis de escuta tem ligação com o poder de empatia, não acha?

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  • Daniel Himelgryn

    Excelente análise! Me identifiquei bastante com as situações vividas como uma pessoa introvertida e pouco falante no mundo corporativo e no período de MBA. E sim, o mundo seria muito melhor se tivesse mais gente escutando do que simplesmente fazendo barulho.

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    • MAXIM MEDVEDOVSKY

      Muito bom o artigo, Beny! Já diz o velho ditado, temos 2 ouvidos e 1 boca apenas… O desafio é saber “escutar” mais e ir mais a fundo, na causa raíz dos problemas, e por outro lado ter a capacidade de mover a máquina e executar. 2 skills complementares fundamentais e escassos hoje em dia.
      Gerar mais valor do que calor! Abração!

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    • Não se preocupe, Daniel, nós falaremos menos mas “dominaremos” o mundo com menos barulho e mais impacto 😉 sucesso contínuo na sua jornada!

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  • maria do carmo oliveirs

    excelente reflexão!
    acrescentaria que nossa dificuldade de escutar também se deve ao medo de mudar aquilo em que acreditamos.
    estamos sempre tão certos de nossas certeza ….

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    • Prezada Maria do Carmo,

      Agradeço por suas palavras gentis. Introspecção/Ouvir = remover o ego e aprender a entender outras perspectivas. Não é sinal de fraqueza, mas de coragem de ser vulnerável. Justamente o texo publicado hoje (não de minha autoria):
      Quem são os 10 judeus mais influentes e o que isso diz sobre nós? / A Nota Diária / Sivan Rahav-Meir (Tradução: Gladis Berezowsky e Yeshayahu Fuks)
      Uau, quantas festas de formatura estão acontecendo nessa época, e quantos lindos discursos de despedida. Assim o Rabino Ilai Ofran resumiu o ano da escola preparatória pré-militar “Ruach Hasadeh”, com uma conclusão que é pertinente a todos nós:
      No início do ano, disse ele, os alunos foram convidados a escolher os dez judeus que eles achavam ter maior influência sobre o povo judeu. Na última semana de aula, os alunos voltaram à mesma tarefa, sendo solicitados a realizá-la novamente. A mudança é surpreendente: se Ilan Ramon, Eli Cohen, Miriam Peretz, Victor Frenkel, Amnon Shashua e Roi Klein aparecerem no início do ano, no final do ano Rabino Yehuda Hanasi, Maimonides, Baal Shem Tov e Rabino Yosef Caro vão se destacar. Aliás, Ben-Gurion e Herzl aparecem na lista tanto no início do ano quanto no final.
      E então ele explica: “Em um ano de estudo da Torá, eles descobriram 2.000 anos de um mundo judaico sobre o qual não conheciam o suficiente. Eles deixam a visão de mundo de ‘do Tanach (Bíblia Judaica) ao Palmach’ e descobrem uma rica história no meio. Para simplificar, e isso é o mais importante, eles param de se ver como o centro do mundo. A razão pela qual metade dos personagens que eles escolhem no início do ano são personagens do século atual está relacionada ao fato de que eles olham para o povo judeu de seu próprio ponto de vista estreito: quem me toca e no meu tempo é o mais importante. Depois de um ano de muito trabalho, eles aprendem a descobrir que não são necessariamente o centro do mundo. Há alguns anos, alguns pais vieram me consultar sobre o programa de bar mitzvah de seu filho e disseram: ‘É importante para nós que naquela noite (da celebração) ele se sinta no centro.’ Eu disse a eles que uma criança saudável sempre se sente assim, até mesmo um pouco demais. Este bar mitzvah é uma grande oportunidade para ele começar a entender que não é o centro do mundo.”

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  • Daniel Koiffman

    Muito bom Beny, ótimo texto.
    Eu me identifiquei muito. Na verdade acho que tenho certo preconceito com quem é muito extrovertido, sempre acho que é muito barulho por nada. Mas já estou melhorando nisso, já consigo enxergar que é só uma característica diferente da minha.

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  • Gostei muito Beny, voce juntou em um mesmo artigo diversas fontes muito interessantes.

    Eu tambem acredito muito nessa conclusao: “Os verdadeiros agentes de mudança serão aqueles que dominarão a arte e a ciência de verdadeiramente ouvir, entender, “ler as entrelinhas” e conectar os pontos de forma sucinta, clara, inteligente, objetiva – porém certamente não superficial.”

    Com certeza a capacidade de escutar e um “soft skill” absolutamente necessario para pessoas que pretendem ocupar cargos de lideranca.

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    • Ocupar e serem bem sucedidos/se manterem 😉 Abraços, sempre agradecido por suas perspectivas, Hayim. Shabbat shalom u’mevorach!

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  • Sandro Maghidman

    Beny, texto fantástico para reflexão!
    O barulho intimida e eu acredito que em certas situações chegam a ser até mesmo um tipo de bullying, gerando uma falsa impressão que extrovertidos são mais bem sucedidos de um modo geral, e os introvertidos têm menos poder de influência, porque nem sempre têm o sucesso ou tempo suficiente em se expressar.
    Ao longo dos anos, se percebe que os que ouvem mais, agregam mais conteúdo, são mais observadores e interessados em conhecer os assuntos de forma concreta, com detalhes, com menos barulho… mas como o velho ditado diz que “a pressa é inimiga da perfeição”, os ouvintes têm que lidar com esse desafio nada fácil nos dias de hoje.

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    • Certamente um desafio, mas vivemos na nação empreendedora onde usamos a adversidade a nosso favor (judo strategy ;-).

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  • Simao Rymer

    Excelente artigo Benny .
    Obrigado por compartilhar seu conhecimento e reflexões . Eu mesmo sou um pouco introvertido em situações do trabalho por não dominar bem o idioma, é uma questão q com o tempo espero melhorar . Kol hakavod

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