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A importância coletiva de se morar na periferia israelense

Por Janine Ayala Melo

A situação é a seguinte: você está em uma conversa com um amigo brasileiro e surge uma pergunta que, por alguma razão inexplicável, você não consegue respondê-la. Não por falta de vocabulário e sim por uma sensação de que, não importa o quanto você tente, a pessoa a sua frente não te entenderá por não ter o mesmo background cultural que você.

Há uns dias eu me vi nesta situação ao me encontrar com uma amiga recifense que veio visitar Israel. Enquanto sentamos em um café em Tel Aviv e comemos cheesecake, eu tentei responder à simples pergunta “onde você pretende morar no futuro?”. Como explicar que eu tenho planos de morar em um yeshuv (assentamento, vila rural) bem longe de grandes centros por questões ideológicas? Tentei, mas não consegui. Então resolvi fazer o que sempre faço quando falho ao tentar explicar um pensamento complexo a alguém: escrever.

Para poder repassar a ideia, é necessário voltar 145 anos quando foi criada uma nova forma de vida na Terra de Israel baseada em ideias de renascimento nacional em aldeias agrícolas: a Moshavá. Petach Tikva, conhecida por muitos como “aquela cidade perto de Tel Aviv” foi a primeira moshavá, uma forma de assentamento rural sionista na Terra de Israel baseado em propriedade privada.

Porque que a construção de moshavot foi um marco na história judaica? Porque a mudança da vida em cidade para o campo foi uma mudança total das relações de poder entre os judeus e os não-judeus em sua volta.

Imaginem a situação judaica, principalmente no império russo, da época: pogroms, a impossibilidade de morar onde quisessem (pois judeus eram proibidos de saírem de áreas específicas do império sem permissão governamental), instabilidade econômica… Essas e mais outras características foram o que levaram centenas e depois milhares de judeus e judias a deixarem suas casas na diáspora e imigrarem a Israel, onde eles criaram assentamentos rurais e neles, eles se recriaram como “judeus novos”.

Esse termo, judeu novo, é um termo sociológico e histórico. O judeu novo foi criado para ser a antítese do judeu da diáspora, visto como fraco, sujeito a ataques e assassinatos e dependente economicamente de um ambiente hostil. O novo judeu seria forte, trabalharia sua própria terra, viveria do que ele próprio produz e saberia se proteger.

Foram justamente estes judeus e judias que construíram as moshavot, e depois os kibutzim e os moshabim – estes judeus novos – que abriram um novo capítulo na história do povo judeu na Terra de Israel. E onde eles criaram seus vilarejos rurais?

Nos lugares mais longínquos da terra.

Judeus criaram no Vale de Izreel, no Galil, nos arredores de Jerusalém e no Negev diversos assentamentos que levaram a ONU, em 1947, a criarem o Plano de Partilha e determinarem que o futuro Estado de Israel teria em seu território áreas longínquas do centro do país, do deserto de Revivim até as montanhas de Manara. Foi por causa das centenas de judias e judeus que decidiram viver de uma forma autossuficiente e se recriarem como pessoas fortes, autônomas e coletivistas que o nosso estado, Israel, foi criado com áreas geográficas muito importantes estratégica e historicamente.

Quando eu imagino minha futura casa no deserto do Negev ou no Golan, eu imagino uma pessoa que apenas por estar vivendo nesses lugares já contribui para a continuidade do que foi iniciado pelos primeiros pioneiros que decidiram reinventar a si mesmos e ao coletivo judaico na Terra de Israel. E esse é um sentido maravilhoso que eu e mais centenas de famílias israelenses decidimos dar às nossas vidas.

3 thoughts on “A importância coletiva de se morar na periferia israelense

  • Rui Samarcos Lora

    Muito legal e interessante. É sempre uma dúvida recorrente as diferenças entre moshavot, kibutzim e os moshabim, assim como entender como essa estrutura ao longo dos anos mudou e ainda existe de maneira diferente no país. Gostaria muito de poder conversar sobre o assunto e discutir um pouco o modelo, uma vez que muito acredito ser ideal para reconstrução economica e social. Obrigado pelo texto e espero poder me comunicar com a autora.

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    • Ayala

      Oi Rui,
      Obrigada pelo feedback. A gente pode conversar pelo instagram (meu @ é janineayalamelo) ou pelo email (ayalajmelo@gmail.com).

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  • Rosana CCR Costa

    Nós precisamos nos reinventar e fugir dos grandes centros, as selvas de pedra, que impermeabilizar cada vez mais o solo, contaminam as nascentes e o curso das águas, sem ao menos repeitar as margens, com loteamentos que ajudam a erodir as encostas! Os governantes parecem esquecer que na natureza temos tudo o que precisamos!

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