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Consequências emocionais da pandemia

Por Marion Minerbo

Nesta conversa Marion e AnaLisa vão conversar sobre as marcas emocionais que a pandemia pode deixar em nossas vidas.

AnaLisa – Olá, Marion. Hoje eu queria conversar sobre as consequências emocionais da pandemia. Queria que você abordasse o tema de um ponto de vista mais coletivo.

Marion – Ótimo, pois ela está afetando a sociedade como um todo. Do ponto de vista psicanalítico, esse acontecimento pode ser pensado como um trauma coletivo. Veio sem aviso prévio, tirou nosso chão.

AnaLisa – Interessante você ter falado em “trauma”, pois eu pensava que era uma coisa individual. Algo de violento que acontece na vida de uma pessoa.

Marion – Pois é. Mas este é um tipo de trauma que é novo para todo mundo, porque tem a ver com um tipo de violência que não conhecíamos. Conhecemos violências sangrentas, barulhentas – guerras, terremotos – mas nunca tínhamos visto uma violência invisível como esta.

AnaLisa – Não tinha pensado nestes termos, mas é verdade: a coisa é traumática porque, como em qualquer catástrofe, divide nossas vidas em antes de corona, e depois de corona.

Marion – E também porque não faz sentido para nós em pleno século 21! Não temos repertório para lidar com esse tipo de violência. Quem imaginaria o planeta (quase) inteiro de quarentena? As fronteiras fechadas?

AnaLisa – Para mim, a pior parte dessa situação traumática é lidar com a incerteza do futuro. Tenho a sensação de estar tentando me equilibrar sobre um chão de areia movediça. É impossível, e por isso é tão exaustivo!

Marion – Sem dúvida! Além dessa incerteza, é brutal termos que conviver diariamente com a angústia da ameaça de uma morte solitária, lenta, por asfixia. Um contato tão direto com nossa vulnerabilidade é mais do que damos conta de processar emocionalmente!

AnaLisa – E o isolamento parecia ser só para os piores criminosos, que tinham que ficar nas solitárias. De repente é para todo mundo!

Marion – E nem temos como combater o “inimigo”, o que pelo menos nos colocaria numa posição menos impotente – a gente sofre menos quando consegue enfrentar uma situação de forma mais ativa. Quer ver outra coisa traumática? Ter nossa vida e nossos sonhos sequestrados. Sonhos nos levam para frente, para o futuro.

AnaLisa – Que marcas emocionais você acha que tudo isso vai deixar em nós?

Marion – Vamos ver um exemplo mais conhecido: alguém que passou por uma guerra. Será que ela consegue voltar a viver “como antes”? Não digo em relação às atividades do dia-a-dia, mas como a pessoa se sente. Eu acho que o mundo fica diferente, a pessoa perde a inocência quando descobre os horrores que podem acontecer.

Ou alguém que recebe um diagnóstico de câncer terminal. Sai do consultório do médico e, para ela, tudo mudou! Ele olha para a rua de um jeito diferente, para a família, para tudo.

AnaLisa – Eu imagino que algumas marcas não desaparecem nunca.

Marion – Será que nós vamos conseguir esquecer o horror desta pandemia, e continuar vivendo tranquilamente? Ou vamos viver na paranoia para sempre, com medo de novos vírus – que podem ser até piores! – e vendo sinais de perigo em cada espirro?

Tem também a possibilidade de a gente incorporar períodos de isolamento em nossas rotinas, nos adaptando a um “novo normal”… parece que a gente se adapta a tudo.

AnaLisa – Daí a gente volta para uma perspectiva mais individual, né, Marion? Pois cada um vai lidar com esse trauma a partir de sua própria história e dos seus recursos emocionais. Quer dizer: o trauma é coletivo, mas vai deixar marcas diferentes em cada um, ou pelo menos cada um vai reagir de um jeito.

Marion – Perfeito! Talvez a consciência de que a gente pode perder coisas valiosas da noite para o dia nos ajude a descobrir novas maneiras de viver, aproveitar e sentir gratidão pelo que temos. Talvez, ao contrário, a angústia seja tanta que nos impeça de aproveitar o que temos, enquanto temos.

AnaLisa – Talvez. Mas, numa visão mais otimista, podemos pensar que há traumas que cicatrizam. Dizem que o tempo cura tudo…

Marion – Talvez a vida possa, sim, voltar a ser “como antes”. Talvez seja possível voltar a confiar que o chão não vai sumir de novo. E a vida pode até ficar mais rica, se pudermos incluir o que descobrimos durante o período de crise. Mas eu acho que a cicatriz pode se abrir a qualquer momento em situações parecidas, e nesse caso, a gente volta a sentir que está vivendo dentro de um pesadelo interminável.

AnaLisa – De que jeito isso vai mudar que somos? Quem seremos depois de tudo isso?

Marion – Quem viver (!), verá!

Imagem: Wikimedia Commons

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