Nada pode, mas tudo é possível!
Por Simone Rothstein
Nesta conversa Simone fala da importância do estabelecimento de limites claros para as relações humanas e sociais.
Simone – Oi Tal! Tudo bom?
Tal – Sinceramente? Tudo indo! Um “novo indo”, neste “novo normal”, novo seguer, seguer – não seguer. Que confusão!!! Acho que nunca vivi um momento tão caótico como o que estamos vivendo agora!
Simone – Realmente, tá difícil. E nesse “novo difícil”, o que te incomoda mais?
Tal – Se prepara porque a lista é enorme! Me sinto limitada, sem liberdade de ir e vir, de encontrar pessoas importantes pra mim. Me sinto roubada, lesada! E as pessoas que tiveram que passar sozinhas o Rosh Hashaná? É deprimente! E o pessoal nos hospitais, coitados, a situação só piora pra eles. E os que estão perdendo seus empregos! Mas acho que o pior, o pior mesmo, é o caos, a falta de clareza, nada pode, mas tudo é possível!
Simone – Isso tudo é muito duro! Se achávamos que tínhamos controle das nossas vidas, o vírus tomou da gente essa ilusão. Ficamos desamparados, fragilizados, sensíveis. E justo neste momento, como você está falando, quem devia cuidar da população, está perdido em meio às suas dúvidas e aos seus interesses, perdidos nas suas condutas. Lembrei agora de um mito que Freud usa para pensar na psicologia das relações sociais.
Tal – Conta!
Simone – Trata-se do mito da Horda Primeva. Havia, antes ainda das tribos, as hordas primitivas que eram grupos de pessoas comandadas pelo “o forte do grupo”, que sem qualquer lei ou regulamento geria o grupo movido por seus desejos e necessidades. Era uma espécie de “pai tirano”. Foi preciso que os filhos o matassem e no seu lugar criassem as leis reguladoras do grupo. Eu tô te contando assim, muito resumidamente, mas…
Tal (interrompendo, ainda irritada) – mas vem bem a calhar! Eu sinto as pessoas com muita raiva. Parece que todo mundo se sente abusado e quer se dar bem, é um tal de: “se ele pode eu também posso”, “se ele não respeita eu também não vou respeitar”.
Simone – Tem gente que se sente abusada e sofre. Outras repetem o modelo, só que no lugar de quem ativamente infringe o limite. A relação da população com o governo é muito semelhante com a relação pais e filhos, eu digo em termos emocionais, psicológicos. Crianças precisam de pais que tenham responsabilidade no cuidado, que coloquem limites e que procurem também reconhecer e respeitar as necessidades dos filhos. Pais precisam definir limites precisos. A falta de clareza gera nos filhos insegurança, angústia e, muitas vezes, atitudes provocativas na busca de contenção.
Tal – Mas você acha então que é necessário ser rígido, duro?
Simone – A gente tende a pensar em limite como algo ruim, rude. Mas limites claros são como um abraço, um colo que promove o sentimento de confiança. É necessário que a pessoa experimente esse tal conforto assegurador para que ela possa estar mais aberta a cuidar de si, do seu sofrimento, a cuidar do outro.
Tal – As pessoas poderiam até estar mais empáticas, reconhecendo o sofrimento dos outros como seus.
Simone – Sim. Acho que sofremos menos quando abraçamos uns os sofrimentos dos outros. E por falar nisso, vamos torcer por um ano novo com muita saúde, limites, clareza e todas as formas de abraços!
Tal – Amém!