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Vacinas

Por Nelson Menda

Meu avô paterno, a quem devo meu primeiro nome, David, nasceu em Lule Burgás, Turquia Europeia, no Século XIX. Conseguiu sobreviver à varíola, doença contagiosa que provocava a morte de uma em cada três pessoas que a contraía e para a qual não se conhecia, à época, prevenção ou tratamento. Teve a sorte de superá-la, mas conservou no rosto, para o resto da vida, as marcas da enfermidade.

Hoje em dia, quando se fala em varíola, muita gente não sabe, sequer, do que se trata, pois a doença foi inteiramente erradicada do planeta em 1980. Como foi obtida essa vitória? Certamente, não por algum milagre, mas graças à ciência, que conseguiu desenvolver uma vacina, tornada obrigatória, no Brasil, a partir de 1904, por iniciativa do sanitarista Oswaldo Cruz.

Lembro, quando deveria ter uns 8 ou 9 anos de idade e cursava o Primário no Grupo Escolar Paula Soares, em Porto Alegre, de ter sido submetido à escarificação da pele no braço esquerdo, seguida pela aplicação, no local, de algumas poucas gotículas da vacina da varíola. Não doeu, a pele ficou um pouco edemaciada nos dias subsequentes e eu e milhões de outros brasileiros vacinados ficamos livres daquela, até então, perigosa e contagiante enfermidade.

O assunto rendeu muito pano para manga entre os meninos, que faziam questão de exibir, orgulhosos, suas cicatrizes, prova de que tinham sido corajosos ao se submeter à vacinação. Mas por que somente entre os meninos, já que as meninas também tinham sido vacinadas? Por uma questão de estética, para que elas pudessem vestir blusas de mangas curtas, nas meninas a vacina era aplicada no bumbum que, naquela época, não era conhecido por esse nome, mas sim por nádega. Mas eram tempos tão pudicos que não era de bom tom pronunciar nem mesmo a palavra nádega. Daí as professoras – e as colegas – informarem que a vacina tinha sido aplicada “na perna”. Uma ova, pois a perna fica situada entre o joelho e o tornozelo e a aplicação, com a subsequente cicatriz, devia ocorrer bem mais acima, provavelmente na raiz da coxa ou na nádega. Com a palavra as leitoras do Blog que receberam essa vacina, para esclarecer o local exato onde era aplicada.

Lembro que fiquei com o sinal dessa vacina no braço esquerdo, prova inequívoca de que estava livre, para o resto da vida, de contrair varíola. Mas essa não foi a única vez em que fui imunizado, pois continuei recebendo aplicações de vacinas nos anos subsequentes, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Em Pindorama já fui vacinado em Postos de Saúde, clínicas privadas de imunização, em ambulatórios da Saúde dos Portos e até mesmo em aeroportos. Já aqui nos States elas são aplicadas nas grandes redes de farmácia, que dispõem de espaço reservado para a vacinação individual, assim como nas chamadas “seasons”, geralmente nos picos de gripe dos meses de inverno.

Quando algum colega recomendava a aplicação de uma vacina, aceitava na hora, sem pestanejar, com exceção de uma delas, que provocou reações por mais de uma vez e que decidi descartar. Foi a única exceção à regra, pois nas demais ocasiões fazia questão de seguir a orientação médica. Sempre soube ser muito melhor evitar do que ter de tratar alguma enfermidade contagiosa.

Lembro da recomendação de um colega do Hospital de Ipanema, no Rio, Professor de Doenças Transmissíveis, que fazia questão de enfatizar a necessidade da aplicação da vacina antipneumocócica, especialmente entre os mais velhos. Não se sabia a razão dessa vacina não fazer parte do calendário obrigatório de imunizações do Ministério da Saúde. Esse estimado colega sempre fez questão de chamar a atenção para o fato de que “os idosos morrem de Pneumonia” e que a enfermidade poderia ser evitada com a aplicação, a cada cinco anos, de uma dose dessa vacina.

Posteriormente, já nos Estados Unidos, foi lançada uma nova vacina para a Pneumonia Pneumocócica – não confundir com a viral – em dose única. Além de fazer questão de receber quase todas as vacinas disponíveis, sempre procurei informar as pessoas do meu círculo de relacionamento a respeito do assunto, pois acredito na máxima de que, em questões de saúde, é sempre melhor prevenir do que remediar.

Na realidade, qualquer brasileiro, quando nasce, recebe, ainda na maternidade, a BCG, chamada de Bacilo de Calmette & Guérin, em homenagem aos seus descobridores. Como a Tuberculose Pulmonar era praticamente endêmica no Brasil e, até 1943, não existia nenhum tratamento eficaz para a enfermidade, as autoridades sanitárias, em boa hora, decidiram instituir a obrigatoriedade da aplicação dessa e de outras vacinas.

Além da BCG e da Vacina contra a Varíola, os cientistas desenvolveram a Tríplice, conhecida por DiPerTê: Difteria – Pertussis (Coqueluche) – Tétano.

A Poliomielite, terror da minha infância, que poderia provocar tanto a morte quanto diversas sequelas no sistema locomotor dos acometidos, encontrou seu fim com a chegada da Vacina Sabin.

Atualmente é possível contar com vacinas eficientes para a prevenção da Tuberculose, Pneumonia Pneumocócica, Poliomielite, Febre Amarela, Sarampo, Caxumba, Rubéola, Hepatite A, HPV, Herpes e muitas outras.

O Brasil deve ao médico Oswaldo Cruz as primeiras grandes campanhas públicas contra a Febre Amarela, transmitida pela picada de um mosquito e também da Peste Bubônica, relacionada à proliferação dos ratos. Por sua posição firme a favor da saúde, esse pioneiro foi hostilizado pelo populacho, pelos políticos demagogos, pela mídia e, vejam só, até mesmo pelos cadetes da Escola Militar do Rio, que ajudaram a detonar a chamada Revolta da Vacina. Tudo isso porque, em 1904 tinha sido instituída, por sua iniciativa, a vacinação obrigatória para a Varíola. O governo teve de voltar atrás em 1907, para não ser deposto e, por uma dessas ironias do destino, logo no ano seguinte irrompeu, no Rio, uma séria epidemia de varíola, que causou a morte de 9.000 pessoas.

Chega a ser desolador constatar como as histórias se repetem, pois desde o advento das primeiras vacinas tem despontado, aqui e ali, grupos negacionistas que se posicionam contra seu uso, especialmente aquelas relacionadas à sua obrigatoriedade. Quando se trata de uma enfermidade transmissível pessoa a pessoa, a recusa em receber a vacina não compromete apenas aquele indivíduo, mas todo o grupo que o cerca.

Estamos às vésperas da chegada de uma série de vacinas destinadas à prevenção da Covid 19 e seria recomendável que os negacionistas de hoje abrissem os olhos e tomassem conhecimento do que aconteceu no passado, para evitar a repetição das mesmas tolices.

Foto:  Robert E. Bates, USCDCP (Pixnio)

2 thoughts on “Vacinas

  • Pingback: Vacinas - Rede Israel

  • Beatriz Cohen

    Nelson,
    Minha tia Bella faleceu aos 16 anos de febre amarela, que pegou durante umas férias em Paquetá. Está enterrada no Caju onde diziam ser impossível mexer no túmulo dela por causa da doença. Será verdade? Isto fez com que vacina se tornasse uma obrigatoriedade para toda a família e sempre que ouvimos a palavra, já entramos na fila para tomá-la.
    Realmente, as meninas tomavam a vacina contra varíola na na parte lateral superior da coxa, o que com o uso de um maiô discreto, faria a marquinha ficar escondida. Com o advento dos biquínis, nada discretos, as vacinas que poderiam deixar marca passaram a ser aplicadas na sola do pé. Talvez seja um dos poucos lugares difíceis de serem vistos com os atuais diminutos trajes de banho.

    Resposta

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