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O dever de denunciar suspeita de agressões em Israel

Por Tzvi Henrique Szajnbrum

A verdade escondida por trás do assunto

Nos últimos dias me deparei, em um dos vários meios de comunicação da atualidade, com fenômeno peculiar como vou descrever abaixo e sei que existe uma séria polêmica envolvendo o assunto.

A notícia tinha o objetivo de informar de que um indivíduo que havia escutado “gritos, vindos de um apartamento vizinho”, preocupado se se tratava de uma briga ou discussão que supostamente ameaçava “a vida de outrem”, tomou a iniciativa de telefonar para a polícia que dentro de poucos minutos chegou ao local.

O cidadão que ligou para a polícia (denunciou a suspeita) assumiu que existiam grandes chances de que um crime houvesse sido cometido contra um dos cônjuges, com “suspeita razoável”.

Por que motivo um indivíduo sem ligação com o casal teria intervindo na discussão e chamado a polícia? A resposta: Porque segundo o disposto no artigo 368 da Lei Criminal israelense, um indivíduo com suspeita razoável da ocorrência de uma agressão tem a “obrigação” de informar as autoridades competentes sobre o ocorrido (a polícia ou a assistência social).

Acontece que o denunciante, usou as redes sociais para “anunciar” (creio de boa-fé) seu ato de bravura, e como muitas vezes acontece, teve início uma discussão que envolveu muitas pessoas.

A maioria, “especialistas de carteirinha” – pouquíssimos, pessoas com formação acadêmica ou profissional para lidar com o tema, como assistentes sociais etc.

Antes de qualquer coisa há que se deixar claro que assistentes sociais não são advogados ou se quer, possuem suficiente conhecimento da área jurídica.

A verdade é que estes profissionais têm grande dificuldade de aceitar esta limitação e insistem em dar conselhos jurídicos a torto e a direito.

Assistentes sociais não são advogados e não estão ambientados com o mundo jurídico e quando participam de um processo por exemplo, exercem apenas o papel de testemunhas (ou sua opinião é pedida pelo juiz), nunca de representantes de uma das partes.

Será que algum de nossos leitores se habilitaria a ser tratado por um paramédico se, infelizmente, fosse diagnosticado com uma doença grave? E se fosse um enfermeiro ou enfermeira que se sente confortável o suficiente a ponto de distribuir conselhos médicos especializados e tratamentos médicos por meio de redes sociais?

É importante aceitarmos, que mesmo se tivermos total confiança de que temos conhecimento sobre outra área de atuação, que não a nossa profissão, não devemos sair por aí distribuindo “conselhos profissionais”.

Isto é ainda mais correto quando estes “conselhos profissionais” são feitos em público, pelas redes sociais.

Na enorme maioria dos casos, a prestação de assessoria jurídica por pessoas que não estão habilitadas a fazê-lo, é um crime de acordo com a lei israelense. Este crime, está previsto na Lei da Ordem dos Advogados de Israel e prevê pena de reclusão de até um ano.

O básico do básico, o que é “suspeita razoável”?

Sobre este conceito, certamente foram escritas páginas e mais páginas de ensaios jurídicos, atas de audiências, interpretações e decisões judiciais penais. Por isso, achar que você é especialista e entende o que realmente é a “suspeita razoável” de que um crime tenha sido cometido sem ser um advogado especializado em direito penal, é algo muito grave e perigoso.

Agressão contra um menor ou inválido e a obrigação de notificar as autoridades

O artigo 368 da Lei Penal israelense traz as definições dos termos “violência”, “menor de idade”, quem deve ser protegido e quais órgãos governamentais devem ser notificados. No final das contas, em casos de violência contra menores ou pessoas inválidas, todo cidadão tem o dever de notificar a polícia ou órgãos responsáveis pela assistência social.

Cabe ressaltar que existem diferenças entre as obrigações de qualquer cidadão e as obrigações de profissionais do ramo, de conformidade com a Lei de execuções penais.

Violência cometida dentro da família – contra o cônjuge (relevante quanto a ambos os gêneros)

Um dos equívocos mais comuns que se encontra atualmente é o uso da terminologia “violência contra as mulheres” apenas. Na prática, a Lei se refere apenas à violência contra o cônjuge, seja qual for seu gênero e à violência contra pessoas incapazes de autodefesa. A realidade demonstra a existência de violência cometida contra ambos os sexos, muito embora contra o gênero feminino isto seja mais comum.

Obrigações de profissionais que têm conhecimento da prática de violência

Todo e qualquer profissional, que em decorrência de tratamento ou aconselhamento fornecido, tome conhecimento de crimes cometidos contra a vítima por parte de seu cônjuge ou qualquer membro da família, tem a obrigação de informar à vítima sobre a possibilidade de procurar auxílio em uma delegacia de Polícia, assistente social ou Centro de assistência contra a violência cometida dentro de uma família. Isto inclui o fornecimento de número de telefone e endereços próximos à sua residência. Quando mencionamos estes profissionais estamos falando de médicos, enfermeiros, educadores, policiais, psicólogos, criminalistas, advogados, líderes religiosos, entre outros.

Cabe ressaltar que pelo termo “violência” há que se incluir violência psicológica, verbal, sexual ou mesmo econômica, e quanto a todo e qualquer indivíduo que sofre assédio ou ameaça.

Os números da violência contra cônjuges

Somente no ano de 2004, 16 anos atrás, houve milhares de casos registrados de violência, mas apenas 29 deles foram concluídos por sentença judicial.

Nos anos de 2016 e 2017 houve em cada um deles 11,850 casos, ou seja, e um total de 23.737 casos de violência familiar em dois anos, sendo que entre eles houve cerca de 9,000 inquéritos e apenas 3.302 deles chegaram aos tribunais criminais ou na vara de família para serem devidamente julgados (não sabemos quantos foram achados culpados e quantos foram absolvidos).

O emprego da violência contra o cônjuge como arma nos tribunais de Direito de Família

Apesar do grande esforço do legislador em evitar e punir ao máximo a ocorrência de atos de violência em âmbito familiar, acabou se criando sem esta intenção o fenômeno no qual muitas mulheres denunciam caluniosamente, ou seja, inveridicamente, atos de violência que supostamente teriam sofrido, como forma de obterem vantagens em procedimentos de separações e ou divórcios. Muitas mulheres entenderam rapidamente que isto poderia lhe proporcionar vantagens significativas.

Assim sendo, antes mesmo de o suposto agressor ser condenado, ele acaba sendo previamente punido, com detenção em condições insalubres, desligamento de sua família e principalmente dos filhos, prejuízos financeiros e uma fama negativa junto às pessoas próximas, ainda que no decorrer do procedimento a conclusão seja de que não houve crime em, nenhum momento.

Ao que parece o legislador não pôde prever estas denúncias caluniosas e se concentrou apenas no agravamento da punição aos cônjuges agressores, de modo que, ainda que se comprove que a agressão não ocorreu de fato, no final das contas o tratamento dado a elas em âmbito judicial ainda é quase irrelevante.

Uma ligação telefônica que salva vidas?

O fato é que se espera de todo cidadão que ele denuncie às autoridades fatos que embasam um receio de agressão contra outrem.

No entanto, devemos lembrar que o legislador felizmente não se ocupou de legislar contra brigas de casal, contra a coabitação entre pessoas que se odeiam, desde que isto não leve a fatos que sejam definidos como infrações legais. Divergências são parte da vida de todos e assim devem ser consideradas, desde que não se chegue às vias de fato.

Um casal pode e sempre tem opiniões divergentes, brigas entre si, isso acontece dia a dia com ou mesmo sem amor entre eles, e mesmo assim, esses atos não são uma transgressão à qualquer tipo de lei.

Denunciar ou não, eis a questão

A obrigação de denunciar uma possível agressão não exclui a obrigatoriedade do uso de uma dose de bom senso. Imaginem o que aconteceria se toda vez que cada um de nós visse ou ouvisse um casal discutindo, chamasse a Polícia: provavelmente todos os demais crimes e infrações jamais seriam solucionados tendo em vista a enorme demanda de intervenção em brigas domésticas. E muitas vezes sem que estas representassem risco real à integridade física dos “participantes”.

Os seres humanos podem ter um comportamento inesperado quando a ira domina seus sentidos, mas isto não necessariamente os transformará em pessoas violentas ou que representam risco real aos demais – afinal de contas estamos falando de uma sociedade de seres humanos, e não de anjos, esperando-se que esta sociedade seja a mais saudável possível.

Ainda que o comportamento de certas pessoas não seja exatamente o melhor esperado, há que se ter cautela ao classificá-los como infratores.

Uma última palavra:

“Todos aqueles que estejam dispostos a renunciar a uma liberdade essencial com o intuito de obter uma segurança temporária, não terá direito nem à liberdade nem à segurança, e antes mesmo de se dar conta, perderá ambos os conceitos.”

“Those who would give up essential Liberty, to purchase a little temporary Safety, deserve neither Liberty nor Safety” (Benjamin Franklin).

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