BlogsJanine Melo

Terá o sionismo chegado ao fim?

Há alguns meses, decidi cortar o cabelo em um novo local que, além de ser administrado por uma especialista em cabelos cacheados, também é um ótimo lugar para conversas filosóficas. De assunto pra assunto, viemos eu e a cabelereira a conversar sobre o Dia da Independência de Israel. Foi aí que, logo após começarmos o assunto, a cabeleireira começou a me contar sobre o que sua família, que mora em Nazaré, faz durante o feriado: “Minha mãe decidiu parar de colocar a bandeira israelense fora de casa neste dia, você sabe, por causa da história da cidade e da proximidade com os bairros árabes”.

Foi ai que eu, uma imigrante não tão nova, me vi pela primeira vez em frente a tal fenômeno nunca antes visto, e me perguntei: “Quando foi que a bandeira israelense virou um símbolo ligado a vergonha?”

Ao longo dos últimos meses, durante meus estudos de história, acabei aprendendo que fatos históricos não são fatos e sim fonte de sérias discussões. Além disso, me vi aprendendo sobre o movimento “pós-sionista”, que vê a história do país através de novas narrativas históricas. Aprendi que, diferente do que escreveu Yehoshua Porat, o movimento palestino não se desenvolveu apenas como resposta ao movimento sionista; que é possível olhar para os eventos de 1929 a partir de dois pontos de vista diferentes e, ao mesmo tempo, como um ponto zero na história de Israel; e que nossa Guerra da Independência não foi uma reconstrução moderna da batalha entre Davi e Golias, mas sim uma luta na qual o Estado de Israel teve um numero igual de soldados em comparação aos dos exércitos inimigos, se não mais. Ao estudar mais a fundo esse movimento moderno, me deparei com o livro de Tom Segev “Os novos sionistas”, no qual eu li uma declaração que perturbou minha mente: “O sionismo terminou seu papel, com considerável sucesso, e Israel está preparada para seguir em frente”.

Qual é então o papel do sionismo, e será que realmente estamos preparados para “seguir em frente”?

A palavra “sionismo” foi escrita por Nathan Birnbaum, que publicou em seu artigo “Pela dignidade e paz de nosso povo”, a afirmação de que “o reconhecimento de que a ideia sionista é correta e praticável conquistará círculos mais amplos”. Sendo assim, a palavra sionismo viu a luz pela primeira vez em 1890 e foi posteriormente adotada pelo homem que carregou então a visão do povo judeu: Benjamin Ze’ev (Theodor) Herzl.

Em seu discurso no Primeiro Congresso Sionista Mundial em 1897, Herzl disse que “o sionismo já realizou uma coisa milagrosa, anteriormente considerada impossível: a conexão entre os elementos mais modernos do judaísmo e os mais conservadores (…) uma conexão como esta não pode ser vista senão atrás da ideia de uma nação”. Podemos ver daí que o sionismo é visto como responsável pela unificação do povo judeu, em suas mais variáveis formas.

David Ben-Gurion declarou em seu artigo “Rumo a um sionismo renovado” que “a palavra sionismo é uma renovação linguística de Nathan Birnbaum feita no final do século XIX (…) e ela vem renomear (…) a aspiração do povo judeu, que é a antiga aspiração de salvação que no seu centro se encontra o retorno a Sião”. Esta é uma das definições mais aceitas do sionismo: a de que o povo judeu tem o ideal de estabelecer um lar nacional na Terra de Israel.

No entanto, apesar do acordo sobre essa ambição geral, é evidente que houve e ainda há divergências quanto aos objetivos do movimento sionista. Alguns dizem – como vimos acima – que a meta do movimento foi alcançada e que o povo judeu já está assentado em suas terras e, portanto, eles podem “seguir em frente”, para os próximos passos. Alguns dizem que assentar-se no país não é suficiente – é preciso estabelecer e melhorar organizações políticas e sociais, que devem agir no Estado de Israel e para o melhoramento das comunidades judaicas da diáspora. Por fim, há aqueles que dizem que o desenvolvimento da terra israelense também é considerado uma das funções mais importantes do movimento sionista e que, portanto, devemos incentivar a imigração e preparar o terreno para os judeus que ainda estão por vir.

Tendo examinado de uma forma rápida as varias opiniões sobre o sionismo, pergunta-se então se realmente os seus objetivos foram alcançados.

Pois bem, atualmente estamos enfrentando uma crise sanitária global e uma crise política nacional. Acabamos de passar pelo terceiro sistema eleitoral sem termos obtido uma decisão política certa, a sociedade israelense está cada dia mais dividida, e é impossível abrir os canais de notícias sem ouvir chamadas desesperadas aos cidadãos para que permaneçam em suas casas porque não há maquinas respiratórias suficientes nos hospitais do país.

Sim, nós nos instalamos nas terras, estabelecemos um estado e desenvolvemos instituições sociais e políticas – mas o caminho a ser percorrido ainda é longo. O desenvolvimento do país continua, e nós devemos tomar as rédeas em nossas mãos, transcender a situação existente e tomar ações ativas para continuar a melhorar e moldar a sociedade israelense e a imagem de Israel mundo afora. O sionismo não terminou de cumprir seu papel; ele está no meio do trabalho para o qual o movimento surgiu, que é moldar Israel e estabelecer um lar para o povo judeu.

Em vista de tudo isso, resolvi escolher uma frase do filme sobre a Operação Yonathan para resumir a essência do sionismo para mim: “Eu sei que vocês não gostam de ouvir sionismo, mas ainda assim aqui vão algumas palavras limpas. Estamos partindo para uma operação a milhares de quilômetros do país para salvar israelenses, e isso apenas porque eles são israelenses e judeus. Porque se nós não o fizermos, ninguém fará por nós. É uma operação longa e complicada, e eu quero enfatizar que o sucesso ou o fracasso da operação depende apenas de nós. Acredito que teremos sucesso. Boa sorte para todos”.

Comecei descrevendo novos fenômenos na sociedade israelense que tenho testemunhado ultimamente. Depois de tê-los visto, percebi que hoje em dia, as pessoas não gostam mais de ouvir sionismo. Mas mesmo assim, ainda estamos no meio de uma operação cujo sucesso ou o fracasso dela depende apenas de nós – e a operação não termina com o estabelecimento de um estado judeu democrático. Ela continua com a construção de uma sociedade justa e diversificada, cujo povo será responsável uns pelos outros e terá no coração a responsabilidade de serem judeus em um país nascido para eles.

Acredito que este é o momento de mostrar em que país nós vivemos e qual sociedade construímos e continuaremos a construir, aprendendo com os erros do passado e construindo nossa visão do futuro. Vamos ser empáticos, parar as brigas e começar a interagir uns com os outros, independente de etnia, política e até mesmo de religião.

Acredito que teremos sucesso. Boa sorte para todos.

Foto: Wikimedia Commons

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