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Tempos modernos

Por Nelson Menda

Carlitos, genial personagem de Charles Chaplin, em uma de suas películas clássicas, aparecia nas telas esbaforido empunhando, em cada uma das mãos, uma espécie de chave inglesa. Tinha de ficar apertando, em velocidade progressivamente acelerada, grandes parafusos, ao mesmo tempo em que enormes esteiras passavam à sua frente de forma contínua. Estava sempre atrasado, pois o ritmo das máquinas era superior à sua capacidade de trabalho. O dono da empresa, através de um monitor de TV, fiscalizava tudo à distância, exigindo uma produção cada vez maior. Carlitos acabava perdendo o juízo e desandando a apertar tudo o que encontrasse pela frente, até mesmo os botões de seis faces que ornamentavam o vestido de uma das personagens femininas do filme. Era uma crítica nada sutil aos novos tempos da industrialização que dominavam a economia na vetusta Inglaterra.

O filme, apesar de ter sido rodado em 1936, ou seja, há 86 anos, sinalizava o despontar de uma nova era, a do trabalho mecanizado. Os tempos mudaram em ritmo crescente e continuam evoluindo a toque de caixa, mal permitindo, como o personagem do filme, que consigamos nos adaptar às novidades, que surgem aos borbotões.

Ainda na infância aprendi a utilizar uma máquina de escrever da marca Remington, importada dos Estados Unidos, peça chave no escritório de contabilidade do meu pai. Era o suprassumo da novidade e muita gente vinha pedir para datilografar algum documento que precisasse ser apresentado em uma repartição pública, pois os textos manuscritos já não estavam sendo aceitos. Existiam cursos de datilografia que formavam profissionais dedicados à nova atividade e que exigiam rapidez e destreza aos seus praticantes. Nunca consegui datilografar de forma profissional, pois precisava ficar olhando para o teclado o tempo todo, o que era considerado um verdadeiro pecado mortal.

Como aprendi a escrever à máquina muito cedo e de forma empírica, acabei condenado a continuar, para o resto da vida, como se dizia na gíria da época, “catando milho”, em alusão aos galináceos que saíam atrás dos grãos jogados no terreiro. Pelo menos posso me vangloriar de ser bastante ágil nessa árdua tarefa de procurar as letras no teclado das velhas máquinas de escrever, sucedidas pelos dos laptops e computadores.

As máquinas manuais foram seguidas pelas barulhentas elétricas, essas pelas de esfera, que cederam a vez para as eletrônicas, que enviam as mensagens para uma impressora ou, pura e simplesmente, para a memória de um computador.

Todavia, apesar de todo o progresso, os teclados continuam os mesmos, variando apenas em função das distintas grafias e da multiplicidade de caracteres dos diferentes idiomas. Alguns devem ser escritos e lidos da esquerda para a direita, como no português, enquanto outros em sentido oposto, como no hebraico. Não conheço as peculiaridades da escrita dos idiomas asiáticos, como japonês, chinês, coreano e tantos outros, mas imagino que, com a universalização da informática, eles tiveram de se adaptar aos novos tempos, para não ficar ultrapassados.

É forçoso reconhecer que, tanto os princípios tradicionais da comunicação quanto os que incorporam os últimos recursos da tecnologia estão destinados a coexistir. Isso significa que parte do conhecimento é imutável, estando ligada aos valores tradicionais, ao lado de um outro, que continua correndo célere no ritmo frenético do progresso. A sabedoria está em saber dosar essas duas vertentes.

Pelo jeito, isso não é nenhuma novidade, mas só cheguei a essa conclusão neste ano de graça de 2022, em plena época do Pessach, a Páscoa Judaica, que celebra a libertação dos judeus da escravidão em que viviam sob o domínio dos faraós. O mundo mudou bastante nos últimos milênios, desde a partida de Moisés à frente de seu povo em busca da terra prometida. Só o que não mudou foi a maldade humana, que continua existindo, como se pode constatar nos recentes massacres de inocentes civis na Ucrânia, perpetrados pelo atual czar russo. Pelo menos já se vislumbra uma luzinha no fim do túnel, que é a firme reação dos países democráticos ao tirano de ocasião.  Bem diferente, felizmente, da apatia que acabou estimulando o maior criminoso do século passado a invadir, impunemente, um país atrás do outro, como em uma partida de dominó, ante os olhares perplexos das demais nações. Será que a humanidade aprendeu a lição e decidiu extirpar o mal, precocemente, pela raiz? Oxalá sim, para que uma tragédia como aquela não volte a ocorrer.

A celebração do Pessach na casa do meu avô paterno, de quem herdei um dos meus prenomes, se encerrava com uma mensagem de esperança no futuro: Este año, siervos. En el vinién, ijos foros, en tierras de Yerushalaim.

2 thoughts on “Tempos modernos

  • Angela Neves

    Pois me fez lembrar do filho de uma prima, na ocasião adolescente, que herdou uma máquina datilográfica quando todos as estavam trocando por teclados e impressoras. Pois bem, no mesmo dia em que ganhou, passou a noite catando milho. Pela manhã, comentou que tinha gostado muito do presente pois “já vinha com a impressora”. Vale lembrar que as impressoras, inicialmente, costumavam dar muitos problemas. 🙂

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  • Nelson Menda

    Eu guardei, como relíquia, a máquina de escrever Remington, que foi doada para a Mari, minha irmã caçula, que também curte antiguidades.

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